sábado, 28 de maio de 2011

A felicidade só existe como invenção.

Caro Nivaldo

Concordo com a reflexão sobre a busca de felicidade ser um lugar comum. Faz parte do bom senso (que não passa de senso comum) acreditar em ideais de felicidade e a eles aspirar, inspirados. E não concordo que a felicidade exista, como se a partir de uma somatória de condicionantes positivas, fosse possível classificar o que seria a tal felicidade – e com essa classificação, normatizar uma singularidade nos processos para alcançá-la. Neste modelo, a felicidade é um lugar, uma meta, um objetivo, um fim. Com ele, convencionam-se a moral, a ética, o amor, a religião, o poder. As tais dimensões.

A felicidade não existe e não existe porque antes de procurarmos ser felizes, lutamos para continuar a existir. Isso nos torna feliz: continuarmos vivos. Nenhuma alegria ou tristeza é maior, para o bicho, do que continuar a existir. Como disse Sartre, a existência precede a essência. O que julgamos por felicidade, penso eu, nada mais é do que o exercício de nosso “egoísmo” natural, do embate pela vitória do mais forte, da perpetuação de nossa espécie.

Se a dimensão biológica/natural do indivíduo fosse considerada, se aceitássemos que somos seres que nascemos, crescemos, na maioria das vezes reproduzimo-nos e depois, inevitavelmente morremos, viveríamos de maneira mais harmônica em sociedade. Mas não aceitamos nossa dimensão humana e afirmamos haver muitas outras dimensões, infinitas possibilidades a este ser racional, superior, buscador do algo a mais que foi o objeto do meu texto e que você comentou. Evidentemente que não refuto todas as dimensões deste homem, no entanto, defendo que nos agarramos a todas elas apenas para esquecermos de nossa efemeridade. Estamos provisoriamente sobrevivendo e a única maneira de subvertermos essa pouquidão de vida, é inventando outras. Inventando Deus. Inventando a religião. Fazendo filosofia. Fazendo amor. Inventando a felicidade. Tudo para nos mantermos vivos, para satisfazermos nosso desejo afirmando que somos seres humanos, somos melhores. Racionais, humanistas – a nós devem ser voltados todos os esforços e atenção. Deus nos inventando ou sendo por nós inventado, é condição variável e insignificante para a mesma constante: buscamos um algo a mais para iludir nossa própria noção de limite.

Com isso, podemos inverter a perspectiva de felicidade, tirando-a do contexto social em que é formulada. Não se trata, então, das concepções de felicidade que são inventadas e representadas pelas dimensões humanas em sociedade, e sim, a noção de felicidade por um prisma natural, biológico, existencial: a felicidade é o que mantém o indivíduo vivo, pois passa a ser atrelada às questões de necessidade deste homem para a sobrevivência física e não apenas social. Vou tentar exemplificar:

Pensando nas várias dimensões humanas, conforme proposto pelo Claretiano: uma delas, o Amor. Ora, será que alguém realmente acredita que o homem ama desinteressadamente? Quem ama, sabe que ama o outro pelo que este outro te representa, o que ele te acrescenta, nos benefícios desta relação para si próprio. Procuramos o outro não pelo prazer transcendental desta imagem que nos vendem de amor, porque o amor não existe, é dimensão inventada. Ou existe exatamente por isso. O amor é egoísmo e necessidade humana de sobrevivência: procuramos a proteção ou tormento; a realização ou a renúncia consentida; procuramos no outro o que acreditamos que nos falta ou que, na mesma medida, transborda solitário no convívio do outro. E assim digo que a felicidade não é sublime, é necessária, não tem existência ou alcançabilidade senão como idéia. E para escondermos nossa sabida submissão a esta necessidade biológica, poetizamos a espera. Desenhamos corações e suspiramos romanticamente. Uma bela maneira que nossa racionalidade criou para transformarmos uma necessidade biológica de reprodução em sensibilidade romântica. Mas ainda que travistamos nossos interesses e desejos mais mesquinhos em qualquer ilusão de generosidade, desinteresse e moralidade, eles continuam a ser atos instintivos, ainda que sonhemos com lirismos inalcançáveis. Ou em outras palavras, ainda que transformemos isso em felicidade.

Mas voltando a idéia de que a busca pela felicidade não existe, Nietzsche é realmente claro quando se posiciona contrário a esta definição em Ecce Homo (pág. 78) – este livro é lindo.

“As sentenças, sobre as quais em última análise o mundo inteiro está de acordo – sem contar os filósofos-do-mundo-inteiro, os moralistas e outros cabeças ocas: cabeças de repolho -, em mim parecem simples ingenuidades do engano: por exemplo aquela crença que assegura que “egoísta” e “altruísta” são antônimos, enquanto o ego em si seria apenas uma “fraude ainda maior”, um “ideal”...Não existem nem ações egoístas, nem ações altruístas: os dois conceitos são contra-sensos psicológicos...Ou a sentença “o homem luta pela felicidade”....Ou a sentença “disposição e indisposição são antônimos”...A Circe da humanidade, a moral, falsificou – desmoralizou – todas as faculdades psicológicas até a raiz, até aquele disparate terrível de que o amor tenha de ser “altruísta”....”

E então penso que o homem busca a felicidade, mas que essa tal felicidade não existe. Não existe porque é apenas o nome do ideal que inventamos para continuar vivos. Inventamos regras que nos aprisionem e garantam uma vida ética e feliz. Chamamos essa nossa invenção maluca de busca pela felicidade: o freio nas vontades, a derrota no enfrentamento das margens. E então o homem inventa que busca uma coisa que não existe.

Pelo que entendi do que você falou, para Nietzsche, o homem nem busca felicidade nenhuma, nós que inventamos isso. Essa busca. Então não sei se pensamos a mesma coisa, embora eu ache que estou por estas bandas.

Não resisto, por fim, de citar mais um pequeno trecho do Ecce Homo, lá pra frente, na página 148:

“Na grande economia do todo, os horrores da realidade (nas emoções, nas cobiças, na vontade de poder) são incalculavelmente mais necessários do que aquela forma da pequena felicidade, a assim chamada “bondade”; é preciso até mesmo ser indulgente para chegar a conceder a esta última um lugar que seja, pois ela é condicionada pelo caráter mentiroso do instinto”.

Um abraço e vamos em frente,

Natachy

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A concepção teológica sobre o homem - Disciplina Antropologia Teológica.

Falar sobre como o homem foi concebido ao longo da história, é analisar o homem morto, póstumo. Essa análise se faz, necessariamente, à luz de nossa visão atual sobre a sociedade e sobre os mecanismos que a compõem. Ainda que busquemos certo distanciamento para discorrer com propriedade sobre certas questões, nosso juízo de valor sempre aparece nas entrelinhas do que dizemos e isso se reflete na análise histórica e, no caso, teológica, que fazemos sobre a concepção de homem.

Podemos analisar como o homem foi concebido nos momentos mais importantes da história, como na Era Medieval, Grécia clássica, Modernidade, Pós-Modernidade, hiper-ultra-mega pós modernidade etc. No entanto, ainda que discorramos sobre os aspectos intrínsecos a cada época, o importante é tentarmos entender não as divergências de pensamento pelo qual o homem foi concebido, e sim, no ponto crucial que interliga cada fase do olhar sobre o próprio homem: sua concepção de divindade.

Não importa a época que analisemos, sempre encontraremos a seguinte constante: a procura do homem pela transcendência espiritual. Nunca bastou ao homem a vida que vivemos. Sempre procuramos por mais, por explicações que dêem um sentido aos percalços da existência, alguma rota de fuga que nos leve a acreditar que seremos imortais, que poderemos entender o mundo e a nós próprios a partir da premissa de que há uma entidade mítica que nos protege, faz planos para a nossa vida e no qual todos os caminhos se unem: Deus.

Este desejo por transcender deu origem à Filosofia e a todos os demais campos do saber humano. Nossa vida não nos basta e não aceitamos o limite biológico de nossa existência: queremos mais. Queremos ir além. Como animais dominantes dentro da natureza, não conseguimos assimilar que talvez haja somente os oitenta anos, quando muito, para nossas realizações pessoais. Há que haver algum mistério que, quando solucionado, demonstre a justiça e perfeição de nosso ciclo vital. De acordo com o filósofo Voltaire, o desejo do homem pela existência de Deus, reflete-se em seu anseio por justiça, sem a qual, a sociedade não se sustentaria:

“Por que razão será impossível uma sociedade de ateus? Porque se considera que homens sem freio nunca poderiam fazer vida coletiva – viver juntos; que as leis nada podem contra os crimes secretos – ocultos; que faz falta um Deus justiceiro que castigue, neste mundo ou no outro, os malvados que conseguiram ludibriar a justiça humana.” (VOLTAIRE, 1974, p. 104)

Hoje a sociedade acredita, em grande parte, no Deus único. Muitas concepções sobre Deus são então construídas para que as diversas religiões possam utilizar de seus preceitos, de forma a arrebatar corações com promessas futuras. E se acreditamos no Deus único, isso pode nos levar a considerar que a própria idéia que fazemos de Deus se relaciona, de forma indissociável, com a própria idéia que fazemos de nós próprios. Ora, se há tantos anos somos formados por uma cultura que valoriza o individualismo, faz todo sentido que sustentemos nossa concepção religiosa sobre um único Deus, igualmente solitário. Chegamos então a uma bela constatação: Deus nos fez à sua imagem e semelhança e o homem faz Deus, constantemente, também à sua imagem e semelhança. Com isso, podemos afirmar que Deus é, senão uma criação social como atestam os ateus, ao menos um desdobramento das questões concernentes à sociedade. Sobre o monoteísmo, diz o escritor e ex-jesuíta Jack Miles:

“O grande motivo de orgulho do monoteísmo é que a realidade definitiva vive em sua casa e em nenhum outro lugar. A tristeza do monoteísmo é que tudo tenha de ser acomodado nessa casa única” (MILES, 2009, P. 274)

Há muitos exemplos que atestam a idéia de que mudamos a imagem de Deus conforme vamos mudando: na Grécia, os deuses eram vários. Havia deuses específicos para cada área da vida humana e era certo que diversos rituais eram realizados para que todos fossem celebrados. Como sabemos, os gregos tinham ideais sociais muito diferentes dos atuais e o todo era visto em detrimento da parte. A frase atribuída a Pitágoras: “mente sã, corpo são”, é um exemplo que demonstra como o homem grego via o mundo: embora houvesse a distinção clara e que é realizada até hoje sobre a dualidade corpo e espírito, os gregos acreditavam que era preciso uma confluência de fatores, mais de uma determinante para que fosse alcançada a paz de espírito, a alegria pelo conhecimento, de forma que não se acomodassem sobre os escombros de seus conceitos ancestrais:

“(...) quando se faz necessário dar início ao filosofar, eles ensinam essa lição mais claramente do que qualquer outro povo. Não como algo que se dá, em primeiro lugar, na adversidade: tal como presumem, com efeito, aqueles que derivam a filosofia da aflição, mas, sim, na felicidade, numa puberdade madura, no interior da serenidade flamejante de um momento de vida vitorioso e corajoso”. (NIETZSCHE, 2008, p. 32)

Outro exemplo de como deus muda conforme mudam os homens, fica explícito na própria Bíblia. Embora os cristãos acreditem que as escrituras de seu livro sagrado tenham sido redigidas por homens tomados pela revelação divina, não podemos nos abster de constatar, à luz da razão, que foram homens os seus redatores. Sendo homens, levaram muito de si e da visão que tinham sobre o cristianismo para compor as peças que formam o antigo e novo testamento. Por este motivo, fica evidente como a trajetória do perfil psicológico de deus vai mudando no decorrer das narrativas. Podemos observar, por exemplo, que o antigo testamento faz alusões claras sobre a importância da terra para o homem: do pó viemos e ao pó retornaremos; Caim sofrerá com terras improdutivas; os homens deverão tirar seu sustento da terra; a terra é prometida e usurpada por Deus conforme o comportamento dos humanos e assim por diante. Se a importância da terra nestes versículos é tão grande, devemos justificá-la em razão dos desígnios de Deus ou do período histórico a que faz alusão?

Enfim, o que quero dizer é que sob a perspectiva teológica o homem muda e com isso, muda a própria imagem de Deus. Mas em nenhum momento, ao menos que eu tenha conhecimento, o homem deixou de acreditar em “algo por trás do que indicam os nossos sentidos”. Poderíamos afirmar que chega a ser uma característica comum a todos os homens e o que muda nesta busca por algo que lhes acrescente sentido, é tão somente os caminhos que serão percorridos nessa jornada.

Para o homem de fé, o que acredita em algum tipo de milagre transcendental, as vias são atraentes e diversificadas: há os protestantes e dentro dessa corrente cristã, diversas igrejas prontas a apontarem o caminho do paraíso – ainda que cobrem por tal mapa; existem também os católicos e na esfera papal, a teologia da libertação, o catolicismo ortodoxo, entre outros; há também os espíritas que nos fazem aceitar nossas provações como resgates kármicos; para os alternativos, existe o budismo e afins, que cultuam Deus embora afirmem que a entidade não exista; para os exigentes, há o sincretismo que reúne diversas esferas religiosas: pais de santos que rezam o pai nosso, não passam embaixo de escadas, trazem a pessoa amada em sete dias e cultuam mortos e a santíssima trindade.

Ou seja, não faltam opções no mercado religioso para o homem que procura se religar ao aspecto divino, a fim de fugir do consumismo desenfreado e de suas desilusões terrenas. Todas as religiões, sem exceção, propõem esse caminho alternativo e parecem trazer no bolso da algibeira regras de condutas e soluções prontas que nos façam felizes. E é neste aspecto que, acredito eu, recai a contradição religiosa – e que em contrapartida, nos remete ao assunto que aqui tratamos: a concepção do homem sob a ótica teológica. Pensemos tal contradição:

Analisando o material de nossa apostila, podemos encontrar diversas citações a respeito da barbárie a que estamos submetidos em razão de nossa política econômica neoliberal. A busca pelo todo é apresentada, então, como alternativa para a fragmentação perniciosa à qual o homem moderno está curvado. Somos levados, pela globalização sistêmica do ideal de consumo, a comprar produtos que satisfaçam nossos desejos momentâneos. Trabalhamos para consumir e ficamos restritos às margens que nos definem como produtores e consumidores. Esta é a relação que se estabelece entre os indivíduos modernos: o escambo de afeto, de produtos, de desejos. E é isso que o material de nossa apostila pretende atacar: a busca do certo no lugar errado.  Para ilustrar rapidamente:

“É possível perceber uma espécie de otimismo ingênuo na sociedade moderna, enquanto ela acredita que é possível vencer o mal tanto dentro quanto fora de si, apenas com a razão e a educação; para os cristãos, é necessária a graça de Deus e o amor” (p. 48);

“O Materialismo moderno tira das pessoas a necessidade de se sentirem responsáveis” (p. 63);

O homem moderno quando não se sente confortável com suas questões terrenas, faz compras. Busca por produtos que o deixem mais bonito, mais elegante, mais feliz. Na sociedade atual, lugar de ser feliz é no supermercado. Isso gera angústia, pois novos produtos surgem com as promessas de felicidade estampadas em seus rótulos. Como no livro de Alice, as embalagens contêm inscrições: beba-me, coma-me. Mas ao contrário do que ocorre no país das maravilhas, não crescemos quando os consumimos. Tampouco encontramos lagartas falantes que nos mostrem o caminho, sorrisos sem gato, rainhas brancas. Nada muda quando bebemos e comemos. Permanecemos iguais. E isso nos desespera – nos faz trocar de produtos, de rótulos, de embalagens. Ave tecnologia, mãe de todas as nossas ambições consumistas, ajudai-nos a ter uma televisão moderna como a do vizinho, pela qual pagaremos pequenas fortunas. Ajudai-nos a não enxergar que em pouco tempo vamos querer outro aparelho: mais fino, mais moderno, com ultra sensores megalo pixels blaster modernos. E mais caros. Descartemos o televisor antigo e busquemos a felicidade onde não podemos encontrar, no produto que ainda não exibimos. O sociólogo Zygmunt Bauman reflete sobre o assunto:

“(…) automóveis, computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em condições de funcionamento satisfatórias são considerados, sem remorso, como um monte de lixo no instante em que ‘novas e aperfeiçoadas versões’ aparecem nas lojas. Alguma razão para que as parcerias sejam consideradas uma exceção à regra? Para o parceiro, você é a ação a ser vendida ou o prejuízo a ser eliminado." (Bauman, 2004, p. 14).


Mas não! Bradarão os cristãos: só Deus pode salvá-los de realidade tão assombrosa. Deus é o caminho e a Verdade e através dele encontrareis vossa paz. Encontrareis vosso lugar no mundo e todas as promessas de felicidade vos serão reveladas. Vossa submissão voluntária aos desígnios do Criador fará com que vos torneis homens livres. Seus mandamentos, se seguidos à risca e a contento, serão os remos de um barco que vos levará adiante, numa imensidão estonteante de lindas paisagens e amor infinito.

E é aí que voltamos à contradição. Vejam bem: o neoliberalismo e todas as formas de manipulação econômica só fizeram com que o homem se perdesse em seus tortuosos caminhos e vida desregrada. Nossos valores morais foram substituídos por valores monetários. Valemos o que produzimos e o quanto consumimos. Mas desde sempre, basta que mantivéssemos os nossos olhos abertos, as religiões nos propuseram saídas alternativas: exaltemos o homem de fé, pois dele será o reino dos céus!

Mas procuramos este reino e não achamos nada. Os caminhos apontados pela teologia nunca nos deixarão mais felizes ou mais tranqüilos, pois partem de uma premissa que tais possibilidades só existem no além-túmulo. Satisfazer nossos desejos terrenos é ir contra os desígnios divinos. Esta vida em que vivemos, dizem os teólogos de todas as espécies, nos estrutura para recebermos o amor de Deus quando chegar o momento: e o momento nunca é agora. O momento é sempre depois, um dia: no céu, no paraíso, nos hospitais espirituais, no dia do julgamento. É sempre depois que seremos felizes e para isso, basta que sejamos infelizes agora.

A submissão voluntária que pregam as igrejas, os templos, os terreiros, as lojas maçônicas e todo e qualquer outro modelo institucional religioso, pregam contra a vida – ao menos contra esta. O homem passa a ter que manter olhos atentos sobre sua conduta para que não profane mandamentos e preceitos divinos. A religião então controla suas paixões, não permite a intensidade que é intrínseca aos instintos humanos: repudia o sexo, perverte a moralidade estabelecida e joga para o plano dos céus uma felicidade que deveríamos procurar em vida, na terra. Propõe que o homem veja o mundo e a si mesmo por um viés teológico, com os olhos voltados para as nuvens, quando bastaria a este homem que olhasse para frente, para trás e para dentro. O homem não se reconhece quando compra, mas tampouco se realiza quando reza.

São duas as concepções que nos são apresentadas nesta disciplina institucional para que entendamos a concepção humana: econômica e espiritual. Evidentemente que o Claretiano, como instituição católica e missionária, sugere a catequese nas entrelinhas: concebamos o homem de maneira teológica – o que não se sustenta. O neoliberalismo, por sua vez, é apresentado como o caminho da economia: o que não nos consola.

Com isso, afirmo que todos os aparatos utilizados pelas revelações divinas para demonstrar que somente quando o homem voltar a se olhar por uma perspectiva teológica, com juízo de valor concreto é que voltaremos a ser felizes – como se algum dia tivéssemos sido - são infrutíferos. Nem as religiões nem as políticas econômicas conseguirão nos trazer plenitude, coesão, felicidade. Somos homens, somos mulheres. Somos seres insatisfeitos por natureza e essa insatisfação reside em não nos contentarmos, como já dissemos, com a vida que nos é apresentada. Não nos basta que entendamos a vida como um ciclo finito, desprovido de qualquer sentido transcendental. Nosso desejo reside no objeto que não podemos ter, no produto que não pudemos comprar. E esse desejo, quando bem canalizado, transforma-se em potência e nos faz ir adiante. Mas não nos basta ir adiante, queremos ir além – além túmulo. Queremos a certeza de que os laços que nos unem não são apenas laços estabelecidos dentro de um período que acaba. Não nos basta ter o amor de uma mãe, de um filho: queremos que este amor estenda-se aos confins espirituais, queremos rever nossos ancestrais sentados ao lado direito de Deus pai todo poderoso.

E assim concluo tentando responder às questões propostas:

Como a pessoa foi concebida e tratada durante a história?

A pessoa foi concebida e trata durante a história sempre de maneira teológica. Nunca nos libertamos de tais amarras religiosas. Nunca pudemos exceder, testar nossos limites, pois até os homens de nenhuma fé são obrigados a submeterem-se a leis e preceitos morais que são intrinsecamente arraigados aos mandamentos divinos. Todas as interpretações que se fez e se faz sobre a idéia de homem passam pelos ideais religiosos estabelecidos. Desta maneira, penso que a pessoa sempre foi concebida pela história numa relação desfavorável de poder: ou submetendo-se à religião ou às engrenagens econômicas. Somos atores, quando deveríamos querer ser palco.

A atual sociedade (capitalista neoliberal) trata a pessoa adequadamente?

Responder como o neoliberalismo trata o homem já é interpretar a questão como um juízo de valor, uma vez que o termo “tratar” já estabelece uma relação de dominação. Culpamos o neoliberalismo como se não participássemos deste processo que nos restringe a meros consumidores. Como um demônio que parece se impor apesar de nossas súplicas, responsabilizamos o sistema econômico por sermos o que vamos nos tornando e acabamos por esquecer que não são as máquinas que estabelecem as regras do jogo capitalista: são os próprios homens.
Essa busca humana por uma satisfação que só se concretiza pelo poder de compra torna a todos nós escravos de nós mesmos. Assim, acredito que o homem não seja tratado pela sociedade neoliberal nem bem nem mal, uma vez que ele não se configura como um mero receptor de suas ações e preceitos. Acredito que o homem seja um agente condicionador das relações que terminam por ser estabelecidas, das quais nada poderemos fazer enquanto continuarmos a nos enxergar como algozes ou vítimas de tal sistema. Para usar de um pouco de metáfora, volto à analogia do teatro: somos todos personagens de um grande palco e nos é facultado o direito de nos despirmos das vestes que já não servem mais. Contudo, não poderemos acusar o costureiro de tê-las feito, em razão de já as termos usado.

Discuta com seus colegas, ainda, a visão de ser humano que impera na sociedade atual.

O homem é visto somente como parte de uma engrenagem capitalista que exige a produção e o consumo. Se não participar com êxito destes dois processos, ele não é considerado cidadão, não é considerado pessoa. Toda a idéia que fazemos de nós próprios atualmente está relacionada com a manutenção de poder. Precisamos estabelecer laços de poder com o outro, com o mundo e só detém o poder quem possui dinheiro. Só possui dinheiro quem se vende, ainda que o produto vendido seja a mão de obra. Mas, em muitos casos, tem sido sua própria liberdade.

Apoio Bibliográfico:

Ser Pessoa – Uma Proposta Humanista. Material didático mediacional do curso de Filosofia do Centro Universitário Claretiano, 2011.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Zahar, 2005. 212 p.
MILES, Jack. Deus uma Biografia. Companhia de Bolso, 1995. 555 p.
NIETZSCHE, Friedrich. A Filosofia na Era Trágica dos Gregos. Hedra, 2008. 124 p.
VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo, Martins Fontes, 1973. 207 p.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Rogério: como nos tornamos o que somos?

1º Como aceitar o teu pedido de não mudarmos nossa natureza, se acreditamos que não temos uma natureza essencial a ser protegida da mudança? O que define a natureza e que faz com que haja similaridade nos comportamentos e padrões das mulheres, não é outra coisa senão a cultura. A feminilidade e a delicadeza são duas características imputadas à mulher pela sociedade, não são características que nascem com o bebê de sexo feminino.

2º Os homens não optam entre a paternidade e a profissão porque suas mulheres estão em casa executando o seu serviço. Os homens escolhem com mais facilidade, pois sabem que dentro da sociedade, sob uma perspectiva cultural, é a convenção estabelecida. Não é da natureza dos homens, de sua essência. Tampouco a essência das mulheres é criar seus filhos. Quer dizer, até é, mas ela não é definitiva, é adaptável. A noção que temos dos nossos papéis enquanto pais e enquanto mães é que determina os modos como cada um deve agir. Não há melhores e nem piores, há diferentes - diferenças físicas, mas, sobretudo, diferenças de interpretação cultural. Se julgamos as mulheres que não sentem angústia é porque pré-determinamos (eu, você, a sociedade) que a angústia é um sentimento exigido, intrínseco e inalienável da mulher. Mas não é. Ou: não entendo que seja. Fomos criados assim.

3º Perfeito. Lidamos melhor com as diferenças, com o que torna a relação entre os indivíduos interessante: a diferença. Exaltemos, confraternizemos a diferença, pois ela é a única que pode nos salvar da loucura social. Precisamos e gostamos de ser diferentes. No entanto, diferente não implica ser estável, estático. Não significa seguir parâmetros ou legados definitivos, que não possam ser subvertidos pela mudança social. E se aceitamos isso - uma essência flutuante - damos importância para a existência. Existirmos enquanto humanos nos permite essa discussão. Se a discussão restringe-se a um homem e a uma mulher, é mero detalhe. Nada nos impede de sermos outros, chamados de outros nomes e de invertermos as sentenças: sou homem e você mulher. Podemos nos transformar se quisermos, e com isso, alterar toda a percepção coletiva da realidade que se configura enquanto idéia de gênero - homem e mulher. Não tenho um gênero, tenho muitos.

4º Somos mulheres porque somos humanas, porque somos gente, gente viva. Mas não somos nobres, tampouco devemos ser fiéis à nossa natureza. Não há essa natureza que seja comum a todas as mulheres ou uma essência que seja comum apenas aos homens. Nossas diferenças não repousam em características definitivas de nossa constituição física, biológica ou espiritual, mas sobretudo na interpretação social que damos a esse teatro milenar de viver. Somos o produto da sociedade, em que indivíduos interpretam os seus papéis enquanto personagens, sob rótulos que nós mesmos criamos - homem, mulher, bicho.

Temo uma associação ao movimento feminista, do qual não carrego bandeira, mas quero citar Simone de Beauvoir: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher".

Como nos tornamos o que somos, amigo Rogério?

Abraços,

Natachy

Intervenção no fórum de sociologia

Cara colega Miriam

Achei seu texto muito bonito. Mesmo, sem nenhum sarcasmo, como já apontam alguns colegas sobre meus textos. De verdade mesmo, eu acho a fé uma das coisas mais bonitas que existem. É como se você estivesse comendo quiabo de um jeito tão gostoso, que ele ficasse até mais atraente no seu prato. Olha, não quero comparar deus a quiabo, só quero dizer que a forma como você diz que ele seja e como ele interfere na sua vida (no ar que respira, no outro, nos desejos etc.) faz com que ele pareça uma figura mais humana - e eu, dada ao humanismo, ou melhor, ao existencialismo, me interesso mais por esta faceta do símbolo divino, que faz parte da vida de todos nós - os que gostam e os que não gostam de quiabo, os que amam e os que não amam deus.

Peço desculpas se em algum momento pareço ter zombado da sua fé ou das dos demais colegas. Respeito nosso direito coletivo de crer ou deixar de crer em qualquer coisa. É que gato escaldado tem medo de água fria, sabe? Já na primeira série fui suspensa da escola por dois dias por me recusar a rezar o pai nosso antes do lanchinho. Veja você que meu embate é de longa data. São tantos anos na defesa pelo meu direito de não me submeter ao delírio coletivo de deus, que acabo aparecendo armada em qualquer debate - mesmo quando o debate não sugere o questionamento religioso, como é o caso das mulheres no mercado de trabalho.

Por outro lado, entendo que deus seja um tema totalmente propício para a discussão sociológica, talvez até mais do que teológica. Como eu entendo a figura de deus como uma criação social, entendo que ele seja, ou deveria ser, tema recorrente na sociologia. Veja que neste caso, é importante a visão que o mundo tem das mulheres: isso por uma confluência de fatores, mas que passa, inevitavelmente, pelo cristianismo.

Mas isso não é assunto que nos separa e sim assunto que nos une. Sempre digo que deus não existe, mas a fé nele sim. Conheço pessoas que foram curadas e atribuem essa cura a deus. Eu atribuo à fé e aos seus diversos mecanismos psicológicos que fizeram com que seus corpos realmente melhorassem. A fé é linda, pois anestesia o homem e com isso, suas dores dóem menos. Nunca quero que você ou qualquer outra pessoa deixe de ter esse anestésico dentro do coração. A única coisa que quero - e aí eu exijo - é o meu direito de não ser anestesiada e sentir na carne, ainda que doa e sangre, toda a minha interpretação de mundo. Sem subterfúgios, senão os filosóficos.

Por muito tempo tive minha fé. Não era a cristã, pois eu era de um grupo que acreditava que a deusa era mulher e se encontrava na poeira, no sol, nas nuvens etc. Continuo acreditando de certa forma nisso, mas hoje, para mim, o que se encontra na poeira, no sol e nas nuvens, é uma coisa tão maluca quanto a idéia de deus: a física. Foi uma forma de substituição, com uma diferença: eu sempre desafio o meu novo deus, assim como fazem os especialistas no assunto.

Para concluir: deus existe - se você acreditar que sim. Deus não existe - se eu acreditar que não. E tudo bem em ambas as teorias.

Mas voltemos ao campo da sociologia: por que, afinal, as mulheres ainda ganham menos do que os homens?

Abraços,

Natachy

sábado, 7 de maio de 2011

Legado da Filosofia grega e alguns de seus reflexos no Ocidente

Vivemos num universo em constantes metamorfoses, por conseguinte, é lícito dizer que o(s) tipo(s) permanece(m) o mesmo.

Homens e animais.

Entretanto, só o homem, porém, consegue conservar e propagar a sua forma de existência por meio da vontade consciente e da razão.

A esta progressão atribuímos em grande parte a mudança do mito ao logos cuja mola propulsora está na revolução dos pensadores gregos com suas formas racionais de interpretar as coisas.
Hodiernamente, o pensamento racional carrega a herança do logos em sua maneira de ser e de interpretar o mundo.

Vejamos algumas implicações.


Racionalidade. Define o ser humano como animal racional, considerando que o pensamento e a linguagem definem a razão, ainda que a razão humana não possa conhecer tudo. Racionalidade significa que a razão humana ou o pensamento é a condição de todo conhecimento verdadeiro e por isso mesmo a própria razão.
De conseguinte a rejeição de explicações preestabelecidas. Adotando-se a exigência de que para cada fenômeno seja encontrada uma explicação racional e para cada problema ou dificuldade sejam investigadas e encontradas as soluções próprias exigidas por eles.

Argumentação. Consiste na busca de respostas conclusivas para questões, dificuldades e problemas de modo que nenhuma solução seja aceita se não houver sido demonstrada, ou seja, provada racionalmente.

Síntese do pensamento. Nesse sentido, é a capacidade de comparar as qualidades comuns a uma classe de indivíduos, desprezando as suas diferenças e reunindo essas qualidades comuns numa só idéia, que as fixa e define. Síntese é palavra grega que significa “reunião ou fusão de várias coisas numa união íntima para formar um todo”, é a capacidade de generalização.

Análise. No grego significa “ação de desligar e separar, resolução de um todo em suas partes”, é a capacidade racional para compreender diferenças onde parece haver identidade ou semelhança, isto é, mostrar que fatos ou coisas que aparecem como iguais ou semelhantes são, na verdade diferentes quando examinados pelo pensamento ou pela razão.
Com a filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente as bases e os princípios fundamentais do que chamamos de razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte entre outras.

A atual sociedade trata a pessoa adequadamente?

O tratamento dispensado à pessoa, pela sociedade capitalista neoliberal, é o tratamento das conveniências, do seletivismo, bem como do egoísmo.

O advento do capitalismo mudou os paradigmas do homem, transformando-o num sujeito alienado de si mesmo, posto que, seu foco está voltado para os atrativos de uma vida de consumo que o conduz a uma busca descontrolada por uma satisfação ilusória que nunca é saciada.

Na ânsia de satisfazer seus próprios interesses e/ou desejos, o homem contemporâneo cada vez mais ignora seu semelhante e por conta disso cada vez menos convive em grupo. Tende a ficar sozinho (se é que já não está).

Este individualismo, cada vez mais egocêntrico, está intrinsecamente ligado à questão da competitividade, que coloca como alvo o sucesso como prioridade na vida do sujeito.

No entorno disso, cada vez menos o grupo, a coletividade, as relações, o espírito de equipe é valorizado.

Por Conseguinte, a burocracia se transforma e “burrocracia”, as relações pessoais cada vez mais ficam impessoais por força de um elemento chamado “sistema”. Tudo acontece dentro de uma programação sistematizada, ninguém tem que pensar na condição pessoal de ninguém. É preciso seguir o que o sistema determina. Na concepção sociológica de Weber, “É a ação racional orientada para fins”, ou seja, a ação é definida de acordo com objetivos esperados. O cálculo e o planejamento são essenciais como condutores da ação.

O homem perde sua identidade, não compreende que precisa desenvolver o conhecimento de si mesmo, que implica saber de suas potencialidades, suas virtudes, seus defeitos e sua história pessoal e, desse modo buscar viver a vida numa concepção humanista, valorizando o semelhante, o convívio em grupo, em fim, atribuindo a si e aos outros os valores inerente à pessoa humana.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Onze parágrafos sem nenhum segredo por Rogério de Sousa

Natachy

1º.    Você foi vencida! Ou a retórica do William citando seu nome, ou a paixão incontida pelo tema, ou a necessidade existencial de se fazer ouvir te convenceu a sair da toca. Agora não mais volta.

2º.    Entre pares não há eufemismos. William e eu somos bons amigos e bons cristãos. Dispensamos as sedas no trato dialético e vamos direto às farpas. Cedemos terreno para dar a impressão de “bandeira branca”, mas tomamos de assalto o desavisado que nos combate.

3º.    Seu posicionamento ateu ainda está no senso comum. Não subiu as escadarias da Alta Filosofia e por isso, somente ecoa no vazio. Onde estão suas armas? Que veio fazer no terreno de batalha? Cuidado, o ambiente da Antropologia Teológica é chão arenoso, você pode não se firmar para o combate.

4º.    Não haverá agressões entre os pares! Ninguém vai sair na mão aqui! O William vai aceder ao Evangelho, e já o fez! Quando em humildade franciscana ele pediu perdão por seus pecados filosofais eu o reconheci cristão, não só na forma, mas na atitude. E assim, cristãos são todos os que reproduzem em suas vidas as virtudes do Evangelho, ainda que não professem.

5º.  Concorda com o William em tudo? Leia o que respondi ao Giuliano: “Concorda plenamente? Concorda que nós teístas somos filósofos incoerentes? Concorda que nós teístas caímos doentes tentando conceber realidades irreais? Concorda que nós teístas persistimos doentiamente em perpetuar as divindades negando a razão? Concorda que nós teístas somos pseudo-intectuais, afirmando algo sem explicações racionais?”

Agora leia o que o Wiliam respondeu ao Giuliano: “Prezado colega,
Presumo que o colega tenha o mesmo ímpeto ao questionamento que eu sobre aquilo que aos nossos olhos se mostram em forma de incoerências das mais absurdas na vida cotidiana do homem individualmente e coletivamente e de igual modo, imediatamente nos revoltam. Mas vamos com calma. O radicalismo não combina com a personalidade de um homem pensador. É necessário uma análise mais abrangente para conclusões aproximadas sobre a temática em questão já que tratamos de vidas humanas em todo o seu aspecto dimensional, estrutural, histórico, psicológico, emotivo etc.” 

6º.    Nós dois estamos na prática da filosofia, prova disto é a tônica dialética que há entre o William e eu, com o a presença brilhante do Vanderley e de outros debatedores. É filosofia de ponta, com tese e antítese, como propõe Hegel. Quanto à síntese...

7º.    Quando escolhi cursar filosofia sabia que encontraria você, o William, o Vanderley, o Giuliano, a Nancy e todos os demais amantes do saber. Quisesse ficar entre os iguais, teria optado por teologia somente. Não! É com o diferente que se aprende! É com seu ateísmo, com o agnosticismo do William, com o cristianismo do Vanderley, o cientificismo do Giuliano, o imanentismo da Nancy e o silêncio dos inocentes.

8º.    Sua crítica não é indireta. Aceite isso! É um posicionamento, uma postura, um lado. Pois bem! Seja bem vinda ao terreno da antropologia e da Teologia. Agora deixarei de lado as sandálias e a roupa rústica (me perdoe São Francisco), e me inclinarei a você em estilo nietzchiano:

Se eu sou profeta, cheio deste espírito profético, que caminha por uma alta crista entre dois mares, que caminha como uma densa nuvem entre o passado e o futuro, inimiga de todos os lugares baixos, sufocantes, de todos os seres extenuados que não podem nem viver, nuvem sempre disposta a soltar, de seu obscuro seio, o relâmpago libertador, o rio que diz sim, que ri sim, pronto para exaltações proféticas; feliz de quem traz em seu seio tais raios, pois, na verdade, permanece sempre suspenso como uma pesada tormenta no flanco da montanha, aquele que é destinado a acender a tocha do porvir
(Os Sete Selos ou A Canção do Sim e do Amém)

9º.    Não há achismos ou perca de tempo na dialética. Somente aos que amam a sabedoria cabe o direito de contradizer e afirmar. Quisesse o tutor que meramente postássemos bandeirinhas e comentários polidos já teria se pronunciado. Não o fez, por amor da dialética, nos deixou pensar, pesquisar, revisar, contar e contestar, sem interferir com censuras, nem mesmo catequéticas.

10º.           O que Deus representa para sua vida? Diga a plenos pulmões! Vamos! Estamos aqui, no confessionário, prontos para ouvir você. Saiba porém que a antropologia teológica constitui-se (1) um problema gnosiológico. Importa à filosofia afirmar a veracidade e verificabilidade do saber humano. Ela se incomoda com a validade do saber, ou seja, se o que se diz ser verdadeiro é de fato verdadeiro ou supostamente verdadeiro. Quer saber como se dá o saber e se este saber pode subir às altas categorias da incontestabilidade lógica. (2) um problema metafísico. Importa à filosofia filtrar o saber de tudo o que se possa mostrar mítico e insustentável ante o crivo da lógica. Ela questiona tudo o que não se possa experienciar e reproduzir em laboratório. Ainda que não exclua em absoluto o meta-físico, o categoriza sempre como algo meta-humano e até, des-umano. (3) um problema moral. Importa à filosofia delimitar as fronteiras do bem e do mal. Ela não estabelece estas fronteiras, mas questiona suas extensões e alcances, implicando sobre sua validade e praticidade.

11º.           Quanto ao concílio ecumênico entre ateísmo, agnosticismo, catolicismo e protestantismo à sombra do bar da esquina, regado à cerveja e guaraná, não se preocupe. Isto é naturalmente humano – demasiadamente humano. Continuarei protestando, o Vanderley continuará rezando, o Wlliam não sabendo se pode conhecer Deus e você... bem, você “essa metamorfose ambulante, sem uma opinião formada sobre quase nada, a não ser que se acha “agora” em ateísmo”.

Não precisamos mais discutir se Deus existe e o inferno também. Eu sei que estou certo e vocês errados. rs





História Humana e contra propostas por Rogério de Sousa

Vou escrever livremente, sem referenciar bibliografia. Penso que assim poderei construir melhor a postagem, a qual denominarei de “contra prposta”.

Ao longo da saga humana estamos experenciando o que Rousseau chamou de contrato social. Neste contrato existe a dialética da proposta e da contra-prosposta. E isto demonstrarei nas linhas que se seguem.

Começaremos pelo homem mítico a quem chamo de Adão. Este filho de Deus recebeu do Criador a proposta da vida inocente, longe dos labirintos da culpa. Mas o demônio de Sócrates tentou o Adão, e este aceitou a contra proposta do diabo.        E tornou Adão o primeiro pecador dentre todos seus descendentes. Foi morar nas cavernas e tornou-se chefe de um clã tribal, de homens pré-históricos.

Surgiu ao longo dos tempos a proposta da civilização em contra proposta ao barbarismo, como a proposta do cultivo à contra proposta do nomadismo. O homem desenvolveu a tecnologia dos utilitários domésticos, artísticos, bélicos e religiosos. Conceberam a vida em comunidade e a regularam por leis. Mas o homem é ser pensante, dinâmico e processual. Não conformou-se nunca com os moldes do primitivismo. Escreveu suas leis e modificou sua estrutura social, seja por força das armas seja por evolução dos tempos. Quem sempre se mostrou onipresente no processo existencial? A contra proposta!

Par os que viviam no deserto veio a contra proposta do oásis. Para quem vivia nas cidades estado veio a contra proposta da migração. Os que eram governados pelo sacerdotalismo experimentaram a emancipação pela monarquia. Ao conjunto de reinos somou-se a pretensão dos impérios. E homem viu-se jogado à roleta da sorte, sendo de um lado o escravizado e do outro o exator, de um lado a mulher do caminho e do outro a filha do rei, de um lado nobre caçador e do outro presa indefesa.

As civilizações que mais se adiantaram nada propuseram para os miseráveis, os depauperados, os marginalizados, os pobres, a não ser que continuassem conformes com a natureza. No entanto, as luzes do profetismo e da reforma brilharam em diversas sociedades. As luzes de Moisés, de Buda, de Confúcio e tantos outros homens se espargiram sobre seus semelhantes, não somente sobre os bem nascidos, mas sobre todos! Nos escritos destes homens o bem e o bom não são privilégios dos melhores, mas proposta para todos. Com eles o ideal da democratização das virtudes se iniciou. Com eles aprenderam os ocidentais.

Então, os ocidentais propuseram a filosofia ou a sofística, o platonismo ou o aristetolismo, o cinismo ou o ceticismo, o epicurismo, o estoicismo. Propuseram a amor ao saber e a relativização do saber, o mundo das idéias ou o mundo tangível, a indiferença ou a dúvida, a busca do prazer ou a vida sem paixão. Em contra proposta ao hedonismo, surgiu o estoicismo que toma dos cínicos o conceito da filosofia como exercício e estudo da virtude.

Zeno de Cítio, Cleanto de Asos, Crisipo de Soles, Sêneca, Marco Aurélio, Epitecto são nomes dos mais famosos estóicos. Aceitavam um materialismo dinâmico, mas o princípio ativo era identificado com o fogo de Heráclito e com o éter de Aristóteles, que invade todas as coisas com sua tensão e seu calor, que é, como Heráclito pensava, o Logos, a razão universal, a razão de todas as coisas. Por isso são também panteístas. Aceitavam uma inexorável necessidade (fatalidade) e, conseqüentemente, uma lei de finalidade (Providência), porque tudo é orientado racionalmente. Assim Deus é a ordem universal, fatal e providencial.
O mal é necessário para que exista o bem: a injustiça, necessária para que exista justiça. Não há verdade sem a falsidade. A liberdade individual é um momento da fatalidade universal. O fim ideal do indivíduo é a criação e a conservação de uma harmonia de vida, que é conformidade com sua natureza interior, enquanto é conformidade com a natureza universal. O domínio da razão, que é o Logos universal, deve impedir as perturbações dos impulsos irracionais, as paixões. É a virtude o ideal do sábio, e ela consiste na extirpação das paixões (apatia) e na imperturbabilidade (ataraxia).

Todas as paixões são vícios porque são erros e enfermidades da alma. Assim repelem os impulsos comumente condenados, como a ira, o temor, a avidez, a cupidez, etc, como também os julgados louváveis, como a piedade, as aflições por calamidade pública, a compaixão, etc.
Não se pode dizer que os estóicos fossem egoístas, no mau sentido, por se desinteressarem com as calamidades públicas. Mas a sua visão do mundo, leva-os a compreender que um mal particular podia ser um bem no conjunto universal. Além disso, pregavam eles a indiferença, para com o sofrimento próprio, uma atitude tal, que o termo estoicismo alcançou, no vocabulário popular, um sentido de serena superioridade ante o sofrimento. O cristianismo, que sobrevém depois, não é estóico, pois a caridade passa a ser a grande virtude. No entanto, com Zeno, no seu cosmopolitismo, que prega um vínculo universal entre os homens, encontramos um ponto de aproximação com o cristianismo.

Para contrapor-se a todas as outras contra propostas surgiu o neoplatonismo. O neoplatonismo empreende uma grande especulação final religiosa. Tudo vem de Deus por graus e tudo volve, por graus, a Êle. O princípio é Deus, o incognoscível e inefável para os homens, e acima de todas as determinações que possamos conceber do ser, da essência, do pensamento, da vontade.

Podemos, de Deus, dizer o que não é, nunca o que é. Para falarmos de Deus, temos que usar nossos termos inferiores e compará-lo ao inferior, chamando-O o Um, Bem, Ato Puro, etc. Com isso não expressamos a Deus, mas a necessidade e a aspiração das coisas inferiores, que só podem subsistir pelo apoio da Unidade, do Bem, do Ato Puro. Deus coloca-se, assim, além de qualquer determinação.

É Deus a fonte de todos os seres. Embora não tenha necessidade de movimento e câmbio, emana o descender de uma série de outros seres numa procissão descendente. A emanação deriva desde a essência de Deus, enquanto êle permanece, em si, no ato de sua essência. Assim, o fogo que permanece, em si, fogo, emana o calor, ou o sol, que, permanecendo sol, em si, emana sua luz em todas as direções. Todas as coisas procedem de Deus, e sem Êle não se manteriam, mas Deus transcende a todas as coisas. É progressiva a descida dos seres. Assim como a luz vai se debilitando e obscurecendo, quanto mais se afasta de sua fonte, assim, afastando-se da fonte da Unidade e da Perfeição os seres vão aumentando em multiplicidade.

Três graus tem esse descer do Um: 1) Intelecto; 2) Alma universal; 3) Mundo corpóreo.
Os dois primeiros formam com o Um a Trindade divina das substâncias ou hipóstases, o terceiro é o último cios entes, fora do mundo inteligível e em contato com a matéria, que não é corporeidade, mas absoluto não-ser, e, por isso, mal absoluto.
     

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Crítica ao Humanismo e ao antropocentrismo por Rogério de Sousa

Segundo a Enciclopédia Barsa o humanismo foi um “movimento cultural surgido na Europa, durante a Renascença, baseado nos estudos dos autores gregos e romanos, que atribuía importância fundamental ao homem; posteriormente o termo foi adaptado, surgindo um humanismo científico (F.C.S. Schiller), um humanismo cristão (Maritain) e um humanismo marxista (Marx e Engels)[1]”.


Segundo Bernadette Abrão, “é em nome do humanismo que o homem, mesmo temeroso, começa a separar-se da grande ordem do universo, para ser o seu espectador privilegiado. Mais do que isto, ele é o organizador desta ordem[2]

 Para Pedro Netto, “já por seu próprio conceito, constitui o homem elemento fundamental da sociedade. [...] Forçoso [se faz] reconhecer que a sociedade existe para o homem e constitui-se de homens vinculados, unidos, relacionados em busca de um fim comum[3]”.

Para John Friedmann, comentado por Benedicto Silva, o “homem [deve ser colocado] invencível e indestrutível, no centro de um sistema de valores, [o que seria] outra maneira de repetir o velho aforismo de Protágoras: <<O homem é a medida de todas as coisas>>[4].

Para João Mackay, “a única atitude criadora em face da vida é a do homem que se apega a uma idéia ou causa superior, idéia ou causa que lhe absorva todas as energias do cérebro, do coração, dos braços. Que seja um obreiro de alguma forma. Que ponha seu talento a serviço de alguma coisa de importância indiscutível. Que encontre, vale dizer, sua vocação na vida[5]”.

Segundo penso, o homem do humanismo e da renascença não apresentava problema algum para nossa raça, até que amalgamou o prefixo (homem) com o sufixo (centro), dando origem ao monstro do antropocentrismo. Esta centralização de todas as coisas no sujeito homem é de uma ambigüidade e uma ambivalência tão perigosa que nos faz desejar os tempos pré-históricos de volta, quando ainda andávamos com tacape nas mãos para nos defendermos somente dos ataques animais.

Foram os antropocêntricos na história universal que idealizaram o imperialismo como forma de governo. Vamos encontrar na antiguidade um Sargão que imperializa a partir da Assíria, um Nabucodonosor que faz o mesmo a partir da Babilônia, surgem os Ciros Persas, os Alexandres Macedônios, os Césares Romanos, os Napoleões Franceses, os Mussolines Italianos e os Hitleres Austríacos. Homens centrados em si, e que centralizam tudo em si, ao ponto de um Luiz qualquer chegar a dizer: “O Estado sou eu”. Henry Thomas escreveu que “Luiz [XIV] não tinha a mínima simpatia pelo próximo. <<Um rei, pensava ele, não deve sentir piedade; devia governar o povo como um senhor governa os seus escravos>>. Não demonstrava senão desprezo pelos seus vassalos. Tratava-os como animais pertencentes a um mundo inferior[6]”.
É somente na minha pessoa que reside o poder soberano... é somente de mim que meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece para sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado[7]

Quem engendrou filosoficamente o antropocentrismo? Dentre todos, o mais conhecido: Niccoló Machiavelli e seu “Príncipe”. Foi ele quem autenticou o antropocentrismo ao escrever que “é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a ser mau. [...] quando for preciso, o príncipe deve lançar mão da dissimulação e da violência, para resistir e mudar o curso dos acontecimentos[8]”.  Luiz XIV seguiu o maquiavelismo à risca.

“Fingia favorecer o povo quando na realidade o estava oprimindo. Dizia a seus súditos ser ele o único protetor que tinham contra o poder dos banqueiros. Prendeu Fouquet, representante dos interesses bancários, confiscou-lhe os bens e privou-o de toda a comunicação com os homens, encerrando-o na mais inacessível das fortalezas da França. Anunciou então que havia apoderado do dinheiro particular dos banqueiros para o uso geral do público. Está claro que nada disto era verdade. Tinha apenas transferido o dinheiro dos bancos particulares para o seu tesouro privado, a fim de empregá-lo à sua discrição em seu único benefício[9]
 

Não fosse o antropocentrismo conseqüência direta do humanismo, eu seria por Erasmo.

Ele sustentava a convicção liberal humanista de que os argumentos a respeito da doutrina [religiosa] eram de pouco valor, enquanto a exaltação das capacidades humanas naturais dignificava a natureza humana[10]”.

Ele era um humanista cristão convencido, crendo que o melhor caminho para reformar a igreja era pela boa erudição – por um estudo da bíblia em hebraico e grego e por um retorno aos pais antigos da igreja[11]”.  

Ele dá o nome de philosophia Christi (filosofia de Cristo) a proposta da reforma humanista e evangélica. [...] Como o humanismo, a philosophia Christi também propõe uma concepção humanista de Deus, do homem e da relação entre ambos[12]

Aqui encerro com Erasmo e o humanismo. Sigo com Lutero e os Reformadores. Sigo com os teólogos e teocentrismo. Prossigo concebendo o Homem como satélite, não como estrela. Continuo com Kierkgaard e o salto da fé, com Tillich e a coragem de ser. Vejo o homem pelo viés do Evangelho e faço a leitura da antropologia, do socialismo, da psicologia e qualquer outra ciência à luz da vela cristã, não do holofote pagão e secular.


[1] ENCICLOPEDIA Barsa, V. 15, Rio de Janeiro, São Paulo, 1969, p.154 (verbete humanismo)
[2] ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1999, p.130
[3] NETTO, Pedro Salvetti. Curso de Teoria do Estado. Ed. Saraiva, São Paulo. 1984, p.24
[4] FRIEDMANN, John R. P. Introdução ao Planejamento Democrático. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1959, p.XVII
[5] MACKAY, João A. O homem verdadeiro in Antologia da Sabedoria V. 1 Os Grandes Pensadores, Ed. Logos, São Paulo, p.56
[6] THOMAS, Henry e Dana Lee Thomas. Vidas de Estadistas Famosos. São Paulo. Ed. Globo, 1958, p.131
[7] Citação extraída do livro de História, V. 3, Ed. Lê, São Paulo.1989.
[8] ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1999, p.157
[9] THOMAS, Henry e Dana Lee Thomas. Vidas de Estadistas Famosos. São Paulo. Ed. Globo, 1958, p.131
[10] WRIGHT, R. K. Mc Gregor. A Soberania Banida, Redenção para a cultura pós-moderna. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998, p.27
[11] LANE, Tony. Pensamento Cristão, Dos Primórdios à Idade Média. São Paulo, Ed. Abba, 2007, p.187
[12] ABRÃO, Bernadete Siqueira, op.cit, p. 168