domingo, 24 de abril de 2011

TCD Paidéia - Marcos Baracca

Resumo
Uma análise sobre a fragmentação do saber, a falta de uma unidade ético-moral no ensino atual e o momento correspondente concebido há aproximadamente 500 anos a.C: A Sofística e o método Socrático como crítica deste sistema e um paralelo entre a atual sofística.
O papel que a filosofia desempenhou na época e que deveria desempenhar atualmente.
1-      Introdução
            Esta obra é uma crítica perante o atual panorama sócio – cultural em que vivemos, onde a educação tem um papel vital enquanto formadora de cidadãos.
Como material de comparação, utilizei o modelo da Paidéia grega que se formou no período clássico, um modelo que apesar de ter ocorrido há 2.500 anos, e numa proporção menor no que diz respeito a quantidade populacional, é rico em termos de análise, uma vez que um de seus articuladores, foi talvez o personagem mais importante na história do pensamento ocidental, o considerado “pai da filosofia”, Sócrates.
2-      Construção da crítica
            Em primeiro lugar resumirei os encadeamentos históricos daquela época para depois apresentar os fundamentos dos dois sistemas educacionais que abrangeram este período para que a crítica seja edificada de forma coerente.
2.1- Breve Histórico
            Abordarei o final do período arcaico (800 a 600 a.C.), o qual predominava a explicação mítica e o período clássico (500 a 400 a.C.) quando os sofistas, herdeiros do pensamento pré-socrático, começaram o processo de “bombardeamento” ao sistema educacional mítico e aristocrático, derrubando mitos com ideias relativistas e culminando em Sócrates que por sua vez combateu o relativismo Sofístico e norteou o processo educativo com um objetivo ético-moral, uma moral universal e não fruto de convenções.
2.1.1- Período arcaico
Neste período, a educação tinha como referência a narrativa poético-simbólico-pedagógica de Homero e Hesíodo, somente uma elite tinha acesso ao ensino a qual eram também ministradas aulas de música, ginástica e gramática.
Quanto ao aspecto político, era esta mesma minoria (aristocracia) que detinha o poder de decidir sobre os assuntos do estado.
A finalidade não era o ensino prático, mas buscar a excelência do homem no aspecto físico e intelectual (Arete).
2.1.2- Período Clássico - Democracia – mudança de paradigma, do mito ao logos.
Com o advento da democracia, os cidadãos atenienses começaram a ter participação nos grandes assuntos da Polis e..., se todos podiam opinar então todos deveriam ser educados.
O trabalho deixou de ser uma atividade desonrosa, o ócio antes considerado um valor positivo, agora era sinônimo de inutilidade.
A Paidéia aristocrática demonstrou ser um sistema obsoleto, seria necessário entrar em contato com outras áreas do conhecimento para poder acompanhar os vários processos da cidade que eram julgados em praça pública (Agora).
E foi neste contexto que apareceram os sofistas, estrangeiros oriundos da Magna Grécia que dominavam algumas áreas do conhecimento, principalmente a arte da retórica.
2.1.3- Surgimento dos Sofistas
Os sofistas vieram de regiões da Grécia onde havia nascido a filosofia, pensadores herdeiros das tensões entre a imutabilidade do ser (Parmênides) e o constante devir (Heráclito), conforme Chauí: “Heráclito e Zenão inventaram a dialética; Parmênides inventou a lógica; Empédocles inventou a eloquência” (CHAUÍ,2002,p.164).
A Sofística emergiu como um sistema educacional para a urgente formação do cidadão da polis, pois uma vez instaurada a democracia, deveria saber falar e opinar em praça pública.
E assim a educação deixou de ser um privilégio de poucos, mas de todos os cidadãos atenienses.
2.1.4- Sócrates – a razão encarnada
Sócrates, filho de um escultor e de uma parteira aparece nesse contexto a questionar sobre qual conhecimento os sofistas se julgavam detentores, questiona o verdadeiro objetivo da educação, embora ele nunca tenha se declarado um educador.
Retoma o conceito de Arete, questiona o que é virtude e se ela pode ser ensinada.
Seu método era o dialético - indutivo, uma sequência de indagações onde usava recursos da ironia para atingir o conceito último, que sobrevivesse a todas as refutações.
2.2- Análise dos dois sistemas
Basicamente a sofística pode ser resumida em duas palavras: relativismo e técnica, já Sócrates visava o aprimoramento do caráter, dividiu o ser em razão e apetites (desejos), dois mundos não estanques ligados pela vontade sendo a razão e o conhecimento suficientes para o homem “agir bem”.
2.2.1- Fundamentos da Sofística
Costumes, crenças, religião, diferenças raciais, desigualdade sociais,..., tudo era fruto da convenção humana, e se tudo é convenção, tudo pode ser ensinado, inclusive a Arete.
2.2.1.1- Arete Sofistica
A Sofistica era relativista, “O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras), o conceito de justiça variava conforme os mandos e desmandos de quem estivesse no poder, e neste contexto o homem era educado para um fim prático (discursar em praça pública).
2.2.1.2- Unidade de Ensino
Cada sofista era detentor de uma especialidade, as fronteiras tinham se expandido para além da música, ginástica e gramática, agora o cidadão pode aprender medicina, geometria, retórica, mas, embora os sofistas afirmassem que tudo sabiam, eram apenas conhecedores de um fragmento do saber.
2.2.1.3- Sistema de Ensino
Persuasão a qualquer custo
Pregavam que tudo ensinavam, mas não conduziam os alunos à reflexão, a pensar por si mesmos.
2.2.2- Fundamentos do método Socrático
Investigativo, usando a dialética (em contraponto ao combate verbal dos sofistas) como ferramenta para conceituar as coisas, até chegar em sua última definição, a verdadeira essência, a que sobrevive a todas as indagações.
A verdade é una, e não está na natureza, e sim dentro de cada um, com o método indutivo, Sócrates extraia a verdade daquele com quem dialogava (maiêutica).
Segundo Aristóteles “Sócrates é o criador do método de investigação científica” (CHAUÍ, 2002, p184).
Sua preocupação é ética, torna a ciência uma serva da moral.
2.2.3- Crítica de Sócrates aos sofistas, Paralelo: Paideia – Mito da caverna
Utilizando o mito da caverna Platônico:
O mundo sensível, das sombras, da opinião (doxa), era o dos Sofistas, onde sua ciência era baseada nas aparências, naquilo que os sentidos forneciam como informação.
O mundo inteligível, da luz, da razão (logos), do bem supremo era a busca de Sócrates, todas as virtudes eram a mesma substância: a luz que se encontrava fora da caverna.
2.3- Paralelo: Paideia Clássica – Época atual
Prevaleceu a fragmentação do saber, a Arete ficou deformada, obscura, prática e relativista. Estuda-se para dominar um ramo do saber e ser parte integrante do mercado de trabalho.
A filosofia, que há 2.500 anos, impulsionou a mudança de paradigma do mito ao logos, da opinião à ciência, foi apartada de todas as disciplinas, tornando-se mais uma delas.
Se outrora foi ordenadora e unificadora do saber agora se encontra impotente e isolada numa ilha.
As especializações foram necessárias, e torna-se impossível cogitar uma unificação de todas as ciências, mas pode-se atrelar a filosofia à cada especialidade, pode-se aprender música filosoficamente, engenharia, química, física, fazendo com que a filosofia, unida a estas ciências, imprima seu conteúdo ético - moral, fazendo com que o homem seja o verdadeiro cidadão da atual polis, habilitado não só a desempenhar sua função a qual é especialista, mas a pensar de forma global, a questionar e repensar sua importância na sociedade, quais potenciais é realmente detentor, dando sua contribuição a Polis de uma maneira mais consistente e consciente.
3-      Conclusão
Observando o curto período histórico analisado anteriormente, podemos concluir que a educação, enquanto não possuir um fim maior, torna-se um sistema de disciplinas espalhadas, as quais levam o homem rumo ao domínio técnico, ao vazio e a aridez do mecanicismo.
Qual a melhor opção? Ser virtuoso ou técnico?
Sócrates provou reflexivamente que a busca da virtude é a chave para viver em harmonia consigo mesmo e com a sociedade.
A razão comanda e regula os desejos através da vontade (temperança).
Apesar do avanço da ciência, a sociedade atual está demonstrando-se irracional, provando empiricamente até aonde o domínio da técnica apartada da ética nos leva: um mundo baseado no consumismo, na satisfação desregrada dos desejos, na exploração desordenada e egoísta das riquezas naturais do planeta, ameaçando a própria sobrevivência.
Sem ferramentas nem estímulos para o autoconhecimento o cidadão atual atira-se ao reino da doxa, julga o mundo conforme a estreiteza de seus sentidos vive mergulhado no senso comum.
A educação, como formadora de cidadãos das atuais polis, agora Metro polis, tem sua parcela de culpa neste processo degenerativo da sociedade.
A filosofia que sobreviveu é a filosofia de bolso, livros de autoajuda - uma filosofia barata, uma síntese genérica encontrada em bancas de jornal, uma receita de bolo que guia o homem a uma meta menor, uma Arete esquálida, aquém da qual o ser deveria almejar.
Se a sofística foi a solução de emergência na democracia grega a reativação da filosofia como parte vital de qualquer ramo do conhecimento é urgente na atualidade.
Finalizo aqui minha análise crítica sem nenhuma pretensão de oferecer soluções definitivas mas apenas de sinalizar uma deformidade no processo educacional detectada pelo olhar da filosofia, uma filosofia maior, que pode ser utilizada para a correção deste mesmo processo.

4-      Referências
CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002/2011.
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PLATÃO. A república: vol.1. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1965.
CLARETIANO. Paidéia: Tópicos de Filosofia e educação. Caderno de referencia de conteúdo. Un1, 2 e 3. Batatais, 2011.

sábado, 23 de abril de 2011

Minha agenda para Educação Brasileira

Ao invés de tentar reintroduzir a modernidade em nossa educação básica, devemos projetar a educação para além do molde pós-moderno. Segundo Itamir Neves "na pós-modernidade os paradigmas que orientam o mundo são os seguintes: 

a) A filosofia é humanista - após o iluminismo, o homem tornou-se o centro de tudo; 

b) A sociedade é pluralista - cada cabeça, uma sentença; o que se tem em comum é a liberdade; 

c) A política é democrática/anarquista - o estado não legisla sobre a verdade nem sobre sua bancada 

d) A ciência é materialista - a verdade é só aquilo que pode ser experimentado no laboratório e tem que ser observada pelos 5 sentidos (olfato, paladar, tato, audição e visão); 

e) O conceito é de pragmatismo - o pensamento popular afirma que se funciona e dá certo é correto e verdadeiro; 

f) A vida pessoal é hedonista - o homem entende que aquilo que lhe dá prazer e lhe satisfaz é verdadeiro e deve ser procurado; 

g) A religiosidade tornou-se mística - "Tive uma visão", "vi um anjo que me dizia" e "Deus me falou" são frases que tornam a religião subjetiva e interior.
(Disponível em http://www.lideranca.org/cgi-bin/index.cgi?action=printtopic&id=7073&curcatname=Liderança&img=lideranca)

Se é assim, educar para além da pós-modernidade seria:

a)Descentralizar o homem, tornando-o participante do processo universal e não protagonista de todas as cenas. O primeiro problema da educação pós-moderna é o antropocentrismo, o homem senhor de tudo, que não admite paridade e sociedade. 

b)Singularizar a existência, não suas contingências. No pós-modernismo os conceitos valem mais que o sujeito pensante, isto é, a ideia é maior que a mente que pensou a ideia, e se necessário for sacrificar o ser para preservar sua doutrina, teoria ou tese científica, que seja! Que morra!

c)Aristocratizar a política nacional. Somente seria Governo quem se vocacionasse em ciências políticas, quem estudasse para ser político. Abaixo a democracia burra deste século, que elege palhaços, cantores e pastores para subirem a rampa e derrubarem a república.

d) Espiritualizar a experiência intelectual. Não significa impor Religião, mas abrir espaço para a Oração no ambiente de ensino, de trabalho e de lazer. Na pós-modernidade quem ora é considerado "um idiota". Nada mais anti-científico! Orar é psicologicamente sadio, fisiologicamente recomendável e existencialmente necessário.

e) Teorizar o universo, propondo situações problemas que levem os educandos e educadores a remodelarem a existência no mundo com bases bem mais sólidas que estas do convencionalismo, do utilitarismo e da venialidade dos valores éticos.

f) Eudemonizar a participação, isto é, tornar a prática da existência uma existência para a alegria, ou busca da feliz idade. Eudemonismo é o contrário de hedonismo, por que enquanto no hedonismo o fim é o prazer, no eudemosnismo o fim é a alegria ou felicidade, não só de si, mas de todos os envolvidos no processo existencial.

g) Concretizar a teologia como ciência humanitária, que tem em Deus o Sujeito por excelência que matem relações metafísicas com o homem no mundo sem estrangular a pessoalidade de cada individuo.

Esta é minha agenda para a educação no além da pós-modernidade. 

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sócrates

Nietzsche diz em sua obra "A Filosofia na era Trágica dos Gregos", que os gregos, mais do que qualquer outro povo, souberam lançar a flecha a partir de outro ponto de partida. Estou sem o livro para fazer a citação correta, mas a idéia dele foi dizer que, mais do que atirar primeiro a flecha (menção ao milagre grego X orientalismo) os gregos souberam continuar o que os povos orientais haviam esboçado.

Da mesma maneira, podemos compreender que Sócrates pegou o bastão do pensamento a partir dos sofistas. Dada a importância destes estrangeiros na história da filosofia, onde provocaram uma revolução no ensino, Sócrates soube como ir além, dar continuidade ao que havia sido singularmente traçado pelos sofistas.

Sócrates recusava-se ao papel de educador, pois acreditava que os conceitos não poderiam ser ensinados, mas apenas despertados nas pessoas. Ou seja, não há verdade a ser ensinada, mas tão somente despertada, uma vez que cada indivíduo já possuiria a verdade essencial em seu interior.

Acreditando nisso, Sócrates não afirmava nenhuma verdade, nem procurava converter as pessoas à sua filosofia. Através da ironia (fazendo o indivíduo aceitar sua ignorância e repensar seus dogmas) e da maiêutica (o parto das idéias) ele não era o responsável pela idéia nascente, mas tão somente o condutor dos métodos que empregava para o auxílio deste nascimento.

Sócrates é uma das figuras mais importantes e polêmicas da história da filosofia. O filósofo Sócrates é tido, em alguns casos, como mito. Isso se dá em razão de as informações que nos chegaram sobre ele não terem origem na compilação de uma obra, já que Sócrates (por recusar a afirmação de verdades e refutar o papel de educador) nada escreveu. O que dele sabemos é proveniente de seus discípulos e apaixonados, entre eles e o mais importante, Platão.

Tanto é que na obra platônica é difícil identificar quais seriam as teorias socráticas e quais seriam as idéias desenvolvidas pelo próprio Platão. Este, que passou a vida defendendo a honra de seu mestre e escrevendo teorias que buscavam validar o pensamento socrático, acabou realizando trabalhos que mesclavam o personagem histórico Sócrates com o Sócrates que constantemente idealizava.

Para mim, o que ficou de mais importante da filosofia de Sócrates foi a busca incessante pela verdade. Como ele afirmava não poder haver o ensino da verdade, já que esta deveria ser encontrada individualmente por cada um através do auto-conhecimento,a filosofia socrática é busca e não encontro. Parece paradoxal e talvez seja: embora acreditasse haver uma verdade essencial, Sócrates não a profetizava, tampouco acreditava que seria possível conhecê-la. Para Sócrates, a verdade deveria ser buscada a qualquer custo, de forma a permitir que os homens saíssem de suas cavernas e deixassem de enxergar apenas sombras. E o mais interessante: a verdade deveria ser buscada, embora soubesse que nunca seria encontrada, ao menos não definitivamente.

Mais elementos ajudam a compor a imagem tão influente e polêmica de Sócrates:

Morreu em nome de uma causa, de sua verdade pessoal, dos valores que tinha como essenciais. Como sabemos, as pessoas adoram ver seus heróis morrendo em nome da honra - isso na Grécia ou em Guarulhos;

Foi acusado de profanar os valores gregos, quando na verdade, filosofava para que as pessoas entendessem a importância destes valores e não para que os abandonassem;

É constantemente comparado a Jesus, dadas as semelhanças quanto a uma suposta vida ascética (embora seja sabido que Sócrates adorava grandes banquetes, orgias com prostitutas etc.). Além disso vivia de forma simples, acreditava ter uma missão divina professada por seu dáimon, tinha um pai escultor e morreu em nome de seus valores. Além do mais, sua importância foi tão grande que todo um período da filosofia é denominado como pré-socrático, da mesma forma como o calendário moderno mede o tempo em antes e depois de cristo.

Assim, Sócrates foi mais do que um filósofo, foi um personagem. Foi um marco na história da filosofia, desenvolvendo os pilares que sustentam argumentações e defesas apaixonadas até hoje. E tendo acreditado na importância do "conhece-te a ti mesmo", fez com que até hoje busquemos conhecê-lo, ainda que, de fato, só saibamos que de nada sabemos.

Ao Willian

Caro amigo

Acredito que entre os sofistas e Sócrates haja diferenças muito tênues, quase imperceptíveis dependendo da visão conceitual que você forma sobre as questões - e por isso querer forjar um combate deliberado entre eles, postulando vencedores ou perdedores, me parece muito superficial (mesmo porque, é sabido que Sócrates chegou a enviar, inclusive, alguns discípulos para terem aulas com os sofistas).

A controvérsia se dá em razão das várias caricaturas que nos foram ensinadas de Sócrates até hoje. Veja que se os sofistas foram descritos historicamente por seus inimigos, já com Sócrates acontece o oposto: a grande parte dos registros que temos é de filósofos apaixonados por sua filosofia, fazendo com que nos percamos em meio ao que seria o homem Sócrates e o que o personagem Sócrates viria a se tornar.

Sabemos que o cristianismo utilizou a figura de Sócrates para erguer-se diante dos protestantes. Até a Idade Média, Sócrates era visto apenas como um grande filósofo e não tinha a conotação quase religiosa que hoje possui.

Atualmente estamos no seguinte dilema: se defendemos os sofistas, somos automaticamente condenados à rivalidade com Sócrates. No entanto, o verdadeiro opositor das técnicas sofísticas foi Platão, discípulo apaixonado que tanto descreveu Sócrates, como a si mesmo, fazendo com que toda a sua biografia fosse permeada pela presença do hoje chamado "pai da filosofia". Quem seria Sócrates de fato? O conceitual dos primeiros diálogos de Platão ou o personagem a qual Platão usa quase como que alegoria nos últimos anos de sua vida?

Por fim, vejo uma diferença grande em Sócrates: ele não se dispunha ao papel de professor. Ainda que os apaixonados socráticos discordem, Sócrates não proferia verdades ou dogmas aos atenienses. E por não acreditar que a verdade pudesse ser ensinada (ou argumentada), nem escreveu sobre sua filosofia. O que ele fazia era questionar profundamente a crenças das pessoas nas verdades que elas acreditavam, fazendo com que através do auto-conhecimento as pessoas pudessem chegar ao seus ideais de virtude.

Claro que a filosofia tinha forte ligação com a política e por isso, os ideais que se esperavam estavam muito atrelados à vida política, mas não vejo Sócrates como político ativo na polis, nem proferindo dogmas de quaisquer espécies. Penso que ele acreditava que a verdade só existiria pela ética individual. O que pode parecer um paradoxo, pois se pensarmos assim, Sócrates seria um sofista - ainda que aprimorado. Pense: se a verdade deveria ser descoberta pelo auto-conhecimento e sendo a ética individual a cada um, não existe mesmo a verdade. Ela é consenso. Voltamos aos sofistas!

Bom, desculpe os possíveis erros. Estou escrevendo aqui escondida do meu chefe, que vive gritando pelos corredores que não entende pq mantém uma filósofa trabalhando no departamento comercial da empresa....rs

Lá de casa eu tento concluir o raciocínio e reparar as possíveis arestas que deixei.

Abraços,

Natachy

Ao Laércio

Olá Laércio

Quanto a escolha de Sócrates em não fugir ou não se defender - ok. O que me desagrada é a idolatria que isso causou em toda a história da filosofia (quer dizer, não em toda ela, haja vista que Sócrates ganhou essa fama quase divina somente quando o cristianismo passou a usar sua figura como modelo de virtude).

De qualquer forma, a minha idéia foi apenas a de contra-argumentar a afirmação do colega Rogério quando disse que se Sócrates fosse sofista teria fugido. Quis demonstrar que sua fuga (ou detrimento a ela) não deveriam ser os motivos de tamanha idolatria. Suas obras, sim - embora nunca as tenha escrito e que saibamos delas somente o que seus apaixonados discípulos nos deixaram.

Abraços,

Natachy

A cicuta de Sócrates

Ao Willian e Rogério

Ainda tentando enxergar nos sofistas os seus aspectos positivos, mesmo que sem fazer deles os estandartes da filosofia, fica a minha reflexão:

Sócrates morreu participando do processo democrático que tanto admirava. Embora fosse acusado do contrário, até a sua morte, defendeu e foi submetido às leis gregas. Por isso foi julgado e condenado. Morreu.

Mas se Sócrates fosse sofista e se inspirado por Protágoras fugisse de Atenas, o seu mérito seria menor? Sua sobrevivência ofuscaria sua contribuição filosófica? Ainda queremos que nossos salvadores morram por suas crenças? Ainda idolatramos os que perdem a vida em nome de uma suposta honra?

Ora, tivesse Sócrates sobrevivido à condenção, poderia ele ter contribuído por mais tempo para o impacto que sua filosofia provocou.

O que quero dizer é que a morte não é natural. Natural é estar vivo e lutar biologicamente por este estado. Fugir dos que nos levaria à morte não é conduta vexatória. Não é alegação para a condenção de Protágoras, tampouco para a idolatria à Sócrates.

O que deveria ser exaltado em Sócrates são as suas obras e não o seu exemplo de vida. Morrer nem sempre pode ser significado de virtude, ou ao menos, não deveria ser.

Abs,

Natachy

Resposta ao Professor Marcelo

Oi professor Marcelo, obrigada pelos comentários e dúvidas levantadas. Vou tentar desenvolver o debate proposto, contando para tanto, com a sua contribuição. Abraços!

O processo de ruptura do pensamento mítico para o racional foi muito sutil, onde podemos observar que os primeiros filósofos conceituaram logicamente os mitos, como também receberam destes, por conseguinte, as matérias para sua análise filosófica. Assim, o pensamento mítico ficou por muito tempo atrelado à maneira de filosofar, carregando as estruturas míticas para uma explicação racional e material a que se propuseram os filósofos da phýsis.

Ainda hoje é difícil afirmar a separação entre o pensamento racional filosófico e as estruturas míticas que acompanham o homem desde os tempos imemoriais. Na verdade, afirmar essa dissonância nem deveria ser o principal interesse da filosofia, uma vez que, por mais que seja possível uma tentativa de racionalização da fé, a crença nas figuras divinas não pode ser objeto de contestação lógica, pois operam em esferas e por mecanismos diametralmente opostos.

Contudo, nem sempre foi assim. O início da desmitificação do pensamento grego foi permeado pelas mesmas ilusões míticas de outrora. Assim, o início da filosofia não se deu em razão da mudança drástica de conceituação e sim, pelos métodos empregados para o estudo dos mesmos questionamentos.

Com os pré-socráticos, em especial os já citados filósofos Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes, as suposições que antes eram realizadas pela fantasia mítica, passaram a ser racionalizadas através de argumentação lógica, teorizando sobre qual seria a essência primeira e universal para o surgimento de tudo. Com isso, podemos observar, por exemplo, que as raízes míticas continuavam a ter importância no pensamento destes filósofos. Ou seja, da teoria mítica da existência de deuses responsáveis pela criação do mundo, agora os filósofos procuravam na natureza a definição de uma substância observável que atendesse a este propósito. Vemos como a estrutura analítica religiosa ainda pode ser observada nesta procura, onde embora os pensadores buscassem na observação do mundo as respostas que antes apenas imaginavam, o conceito religioso apenas foi transportado para a natureza.

Com isso, os filósofos não deixavam suas crenças religiosas, nem afirmavam que o mundo fosse gerado sem participação divina. O que estes pré-socráticos desenvolveram como mudança e que terminou por alterar significativamente os rumos de toda a filosofia posterior, foi a tríade que até hoje utilizamos como sustentação filosófica: observação, investigação e pensamento. Portanto, por mais que o espírito religioso grego ainda permanecesse como forte influência no pensamento destes filósofos, a forma de teorizar a criação do mundo foi alterada pela observação cotidiana, gerando uma autonomia intelectual que buscava, sobretudo, uma argumentação que pudesse ser coerente e palpável, diante de sua racionalização.

Assim, tão importante quanto o processo de passagem do mito ao logos, foi a mudança intelectual proposta pelos primeiros filósofos, que buscavam pela observação das evidências, a transposição das tradições mitológicas para o entendimento de uma realidade inteligível aos homens. Por isso, acredito que durante parte do processo desmitificador grego, houvesse harmonia entre as esferas mítica e lógica, utilizando para a cosmologia que surgia, as estruturas de questionamento da cosmogonia anterior.

Por fim, penso que a importância desta mudança de visão argumentativa sobre o mito, tenha influência direta tanto na filosofia moderna, quanto na forma de pensarmos a religião atualmente. O que os filósofos atuais e até mesmo grandes pensadores cristãos afirmam, é muito similar à conexão que os primeiros filósofos realizam sobre o tema. Racionalizam o mito de forma a mantê-lo vivo, procurando na natureza, na articulação do pensamento e nos embasamentos metafísicos, hipóteses que expliquem o mundo sem a exclusão da participação divina. Com isso, no período pré-socrático ou nos dias atuais, os homens ainda procuram pelo criador original, pelas substâncias geradoras do universo, pelas partículas físicas e químicas que expliquem o surgimento de tudo. Ora, esta procura, ainda que travestida de novas tecnologias, religiões, filosofia ou preceitos modernos, ainda busca responder, a partir da mesma estrutura elaborativa, as mesmas questões formuladas há tanto tempo.

Sobre a Paidéia, é natural que os mecanismos utilizados para a concepção de si e do mundo, sejam fatores preponderantes na forma de construção do conhecimento e dos ideais esperados dos indivíduos. É sabido que a articulação da educação se reveste de maneira a proporcionar a manutenção do poder e da ordem - fato comum em todos os lugares e em todos os tipos de educação. Por estar intrinsecamente atrelada aos homens, a educação é normatizada conforme os padrões destes indivíduos, que mudam e mudam a educação - na Grécia, por exemplo, vimos como a Arete acompanhou os interesses aristocráticos e em seguida, os democráticos da polis.

Ora, sendo a Paidéia o conjunto de ensinamentos para a busca de excelência do indivíduo, evidentemente que a transição do pensamento mítico para o racional teve influência na forma de ensino. Tanto que depois dos primeiros filósofos, não foi mais possível um retrocesso na forma de produzir filosofia. Ou seja, cada vez mais os filósofos buscavam na natureza observável a explicação substancial e palpável para o surgimento de tudo. Ainda que atrelado ao pensamento mítico, irreversivelmente os homens foram racionalizando suas crenças e ainda que as mantenham ainda hoje, sabem que o fazem amparados por preceitos inexplicáveis, que em nada podem ser atribuídos pela experimentação técnica, científica, objetiva e real.

Com isso, se a observação e investigação pelo pensamento foram se tornando aos poucos a maneira de produzir filosofia e conceituação do mundo, inevitavelmente a Paidéia, em busca da Arete, também tenha tornado-se fonte do exercício desta argumentação racional, contribuindo para a ruptura dogmática e sendo parte decisiva da estrutura filosófica atual.

Resposta ao Rogério

Obrigada pelas considerações. No entanto, não considero que a desmitificação dos deuses, ou mais propriamente falando na atualidade, do deus cristão, seja somente uma herança pós moderna.

A importância de estudar história e no nosso caso, a história da filosofia, dá-se justamente pela necessidade de compormos histórica e culturalmente os processos que fizeram com que nossa percepção fosse evoluindo e chegando ao que você chama de "pensamento pós-moderno".

Evidentemente que com o início da filosofia (embora o termo "início da filosofia" me incomode), os deuses não caíram por terra. Assim como deus não foi sepultado com a afirmação da morte de deus, por Nietzsche.

No entanto, não há como refutar que o período que estamos estudando foi crucial para o desenvolvimento desta racionalização.

Quando Tales de Mileto argumenta ser a água a phýsis, ele não afirma não existirem os deuses. O que ele faz, contudo, é atribuir a um elemento natural, a origem do mundo. Ainda que acreditasse que a água fosse um presente dos deuses ou, de alguma forma, a sua personificação, ele não desmitifica o mito, mas o racionaliza.

E para mim, esta é uma herança importante para a sociedade atual. Independentemente de acreditarmos ou não na mitologia judaico-cristã ou em qualquer outra forma fantasiosa de contar uma boa história,hoje somos capazes de analisá-la, perscrutá-la e como disse anteriormente, adaptá-la culturalmente.

Vou citar um outro exemplo: a Bíblia (sem mencionar a adaptação de outras crenças e civilizações que nela são realizadas): Antigamente, acreditávamos serem reais as histórias nela contadas. Ou seja, que o mundo teria iniciado com Adão e Eva, que expulsos do paraíso tornaram toda a humanidade pecadora. O que fizemos hoje em dia? Não deixamos de acreditar em deus (pelo menos não, a maioria das pessoas).

Contudo, já racionalizamos este dogma, justificando-o como uma parábola. Através dos estudos e da evolução do pensamento, já somos capazes de entender e criticar a Teoria da
Evolução, por exemplo. Isso não tornou as pessoas menos crentes, mas as tornou mais racionais.

Assim, acredito que a desmitificação venha do interesse que é próprio da filosofia: o questionamento das verdades eternas. Vem da necessidade que temos (e que podemos apontar como parte da herança grega e não apenas moderna), de não aceitarmos as respostas prontas, tampouco os dogmas impostos.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Paidéia em Resumo - Provocação Filosófica

Colegas de classe, passemos em revista a íntegra desta matéria “Paidéia”. 

Primeiro: Discutimos sobre a passagem do Mito ao Logos;
Segundo: Discutimos sobre o Homem Ideal;
Terceiro: Estamos discutindo Sofística ou Filosofia;
Quarto: Iremos discutir sobre a Socrática.

Ao longo de nossos debates me posicionei firmemente pelo Idealismo de Sócrates e Platão. Estes dois homens se tornaram divisores de águas no que diz respeito à Filosofia. 
Antes deles imperava a busca pela sabedoria. Após, reina o amor à sabedoria. 
Antes deles existia a Poesia e a Retórica. Após, nasce a Filosofia.

Sem eles, a agenda da humanidade seguiria a triste rotina do relativismo, do subjetivismo, do ceticismo, da indiferença moral e religiosa, do convencionalismo jurídico, do oportunismo político, do utilitarismo, da frivolidade intelectual, da venalidade e do antropocentrismo. 

Com eles, o Absoluto foi pensado. 
A Verdade se tornou objetiva e livre do sujeito cognoscente. 
O limite das aparências foi transposto. 
O Bem, a Justiça e a Beleza continuaram sendo virtudes contrastando com o mal, o engano e a decadência. 
A lei foi elaborada para perdurar. 
A política foi idealizada. 
A finalidade triunfou sobre a utilidade. 
O conhecimento gozou de credibilidade. 
A sabedoria ficou impagável e a Palavra venceu o discurso. 
A vitória deles se deu por completo, pois alcançou justamente a diminuta parcela de Filósofos que o Mito da Caverna predisse.

Quanto aos demais homens, continuam na caverna, repetindo frases prontas, encalacrados em seus temores, duvidando de tudo e todos, confusos quanto ao certo e ao errado, ridicularizando o Ideal, o Perfeito, o Absoluto, o Completo e o Imutável. 
Não servem como ideal de vida, para ninguém, em tempo ou lugar algum, pois cedem pelo menor preço e aceitam a primeira oferta. 
O mundo deles é medíocre, cheio de tristezas e decepções. 
Não conseguem manter relacionamentos duradouros e de entranhas com ninguém.
Tudo é leve, tudo é solto, tudo é permitido.
Nada pesa, nada prende, nada é proibido. 
Quem dialoga com eles sente-se vazio, oco, nulo, apagado, pois a conversa é sempre superficial, ligeira, programada, repetitiva e desinteressante. 
Estão sempre negociando tudo, desvalorizando tudo, desprestigiando a todos, desagregando a todos, confundindo tudo e todos. 
Julgam serem o centro, sempre...


Por Rogério de Sousa

O Pecado da sofística

Os sofistas trouxeram ao chão o manjar dos deuses. E este é o grande pecado da sofística: a demagogia de popularizar, facilitar, horizontalizar o mundo.

Nunca foram nem verdadeiros, nem especialistas, nem sábios.
Sempre foram falsários, propagandistas e sabidões.

Esta onda revisionista que deseja condenar Sócrates (de novo) e Platão é reverberação das pós-modernidade, era era vazia de Ideal, empobrecida em Virtude, opaca de Razão.
Simplesmente, e isto devemos admitir, falta originalidade aos filósofos atuais, os quais desejam aumentar sua grandeza pisando a genialidade dos Mestres.

Donde vêm a revisão pró-sofística? 
De outros sofistas!


Por Rogério de Sousa

Resposta à Margarete - Meu desafio aos sofistas

Não é tão simples assim! O engodo que a sofística produz não é facilmente percebido.
Vou apresentar a você três sofismas elaborados por Dostoiévski no texto "O Grande Inquisidor' e postos na boca do sacerdote de Roma, o acusador de Cristo. (Não estou falando de religião!).

Proposição 1:
Queres ir pelo mundo com as mãos vazias, a pregar aos homens uma liberdade que a sua estupidez e a sua ignomínia natural os impedem de compreender, uma liberdade que lhes faz medo, porque nada há nem nunca houve tão intolerável que a liberdade para o homem e para a sociedade!

1º Sofisma
Vês estas pedras neste árido deserto? Transforma-as em pães e a humanidade seguirá os Teus passos, como um rebanho dócil e reconhecido, mas sempre com medo que a Tua mão se retire e que o pão se lhe acabe.

Proposição 2:
Vê e ajuíza, após quinze séculos: quem elevaste até junto de Ti? Posso jurar-to: o homem é mais fraco e mais vil do que Tu julgavas. Acaso pode ele realizar o mesmo que Tu? 

2º Sofisma
A grande estima que tinhas pelos homens prejudicou a piedade. Exigiste-lhes demasiado, Tu que, no entanto, os amavas mais do que a Ti próprio! Estimando-os menos, ter-lhes-ias imposto fardo mais leve, mais de acordo com o Teu amor. 

Proposição 3:
É culpa deles, dos outros, dos fracos homens, o não terem podido suportar o que suportam os fortes? 
Acaso tem culpa a alma fraca de não poder conter dores tão terríveis? Só vieste para os eleitos?

3º Sofisma
Nesse caso, é um mistério, incompreensível para nós, e teríamos o direito de o pregar aos homens, de ensinar que não importam nem a livre decisão dos corações nem o amor, mas sim o mistério, a que se devem submeter cegamente, mesmo contra a aprovação da sua consciência.

O desafio:
Consegue enxergar a capciosidade do Sofisma neste texto de Dostoievski? A construção lógica do discurso com proposições eloquentes e argumentos contundentes, quase irrefutáveis?

Te garanto: Não é simples identificar um sofisma. Não é fácil


Por Rogério de Sousa

Resposta ao Carlos Henrique - O desgosto da sofística

Apreciei sua postagem e me vejo no dever de contrapor o argumento da Filosofia ao utilitarismo da sofística.

1º Os sofistas de ontem e de hoje não são defensores da democracia. 
São parasitas do sistema, e como tais,vivem às custas de seus hospedeiros, independentemente da ação desenvolvida pelos cidadãos. Não são nem pelos "aristói" nem pelo "demos". São por si sós - ninguém mais! 

2º A aretê proposta pelos sofistas era (e é) um desgosto para a Filosofia. 
Desde Homero a virtude da justiça, da fortaleza (ou coragem), da prudência e da temperança era matéria viva para a formação do Homem Ideal (lembrando a discussão anterior). À partir de Parmênides a virtude é pensada em termos ontológicos, do Ser. O não-Ser seria a negação da aretê e quando surge Górgias, a balança pende para o não-ser e toda a discussão ontológica descamba para o âmbito mesológico eudemônico (meios para alcançar a felicidade). Que bela contribuição! 

3º Platão não faz parte da "turminha aristocrata". 
Para o Filósofo ser um aristói é ser Melhor, é contemplar a Idéia do Belo e sublimar-se por ser ela, a maior de todas as Virtudes. Dostoievski, no romance “O idiota" reflete esta aristocracia platônica ao lapidar a frase: “A beleza salvará o mundo”. (vide http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Idiota)

4º Se tudo é uma questão de interesses, cabe ao homem bom nortear seus interesses para proveito universal. 
Esta noção utilitarista do interesse foi profundamente dramatizada por Kafka na obra Metamorfose. "Dia desses, o jovem que a todos servia de forma altruísta acorda transmutado em "barata". Seus familiares (utilitaristas) até que demonstram, a princípio, preocupação com ele, mas por fim...".


Por Rogério de Sousa

Resposta à Natachy - O Saber Filosófico

A tecitura de sua postagem se mostrou perfeita. Quiçá, e por demais, pé no chão, realista e crítica. Pari passu fez ponte com o antigo e o contemporâneo, contrastando e comparando, aproximando e distanciando, possibilitando e atualizando. 

O que de minha parte fica é um "e agora?" Já que o cenário da virtuosidade atual é tão assim, desestimulador, o que faremos? Seremos espectadores da roda viva? Aplaudiremos a panacéia pedagógica? Amargaremos a frustração da inglória? Bateremos em retirada? E agora?
Bem antes de cursar Filosofia, eu a conceituava como a ciência que pergunta: "As coisas são como são ou podem ser de outra forma? Se podem, de que forma podem ser?"

Por isso, proponho a reação! Proponho "tentar outra vez - com os dois pés na ponte". 
Proponho a tomada do Poder, pela Força do Saber Filosófico.
Ah! O Saber Filosófico! Nas palavras de Mário Ferreira dos Santos...

"O ser humano, em face da variedade heterogênea dos fatos do acontecer cósmico, para dar-lhe uma ordem, viu-se forçado a construir esquemas abstratos, por meio dos quais classifica esse mesmo acontecer. E não satisfeito com isso, procurou descobrir-lhes o nexo.

E o que já examinamos nos favorece para que possamos ampliar o enunciado do que seja a Filosofia.
E para descobrir esse nexo, tendo como instrumento o pensar como ato de captação de pensamentos, e os conceitos, como esquemas abstratos, não podia o homem obter êxito em sua atividade se não procedesse pelo método da comparação. E não poderemos compreender a comparação sem que previamente estudemos as relações.

Todos usam o termo relação, e nunca se usou tanto como hoje, onde já se forjaram palavras como relativismo, relacionismo, e outras.

Etimològicamente, vem ela do verbo fero, cujo participio passado dá latum (fero, tulo, latum, ferre, como o tem que decorar os que estudam latim). A partícula re em latim tem o sentido de movimento, de volta, de retrocesso, de repetição também. Re-latus, indicaria, o relato, fazer uma relação, narrar alguma coisa. Relatus como adjetivo, indica o tornado a trazer, o referido, o proposto, por exemplo.

Relatio é a relação, o que se relata, a narrativa. Relação é o pôr-se ou o estar de uma coisa levada a outra, ou que está em face de outra.

Dessa forma, todas as coisas estão em relação, porque todas estão em face de outras. Mas podemos pela mente, relacionar as coisas com outras, as presentes com a imagem das ausentes, e quando relacionamos conceitos com conceitos, quando refletimos, (de re-flectum vem re-flexio, ação de voltar, torcer, reflexão) voltamos os pensamentos e os pomos em relação uns com os outros. Temos,
então, o que psicologicamente se chama reflexão.

Ora, as relações nos mostram, no entanto, aspectos muito interessantes. É que há fatos que se relacionam acidentalmente com outros, como a relação que pode haver entre mim e a paisagem, que se desdobra além da minha janela, mas revela que nessa relação eu nada influi na paisagem, embora ela em muito, durante sobretudo as manhãs claras, influa sobre mim. Vemos, então, que as coisas relacionadas umas às outras podem exercer influências que provoquem modificações.


Há relações meramente fortuitas, sem influência maior entre as partes relacionadas, e outras em que essas influências podem levar a profundas modificações.

Posto uma coisa em face de outra, ou um conceito em face de outro, ou um juízo em face de outro, verificamos facilmente ou não, que entre eles há aspectos que se repetem, que ambos têm, em comum, como o azul deste livro com o azul daquele livro, entre mim e o leitor também,
mas logo captamos aspectos que são diferentes, que estão num e não no outro, como este livro, sendo igual a este, é também diferente, porque, se ambos são azuis, este é mais grosso que o outro". 

Fonte: Convite à Filosofia e à História da Filosofia
Autor: Mário Ferreira dos Santos
Editora: Logos


Por Rogério de Sousa

Tributo à Filosofia

Tenho sustentado que existe filosofia e Filosofia. 
Uma que se contenta em ser eco e outra que é Voz;
Uma que nivela e outra que Eleva;
Uma é agenda, a outra - Livro;
Uma conforma, a outra Confronta;
Uma negocia, a outra Martiriza;
Uma duvida, a outra Legisla;
Uma banaliza, a outra Sublima;
Uma ufana, a outra Idealiza;
Uma recita, a outra Autografa;
Uma acovarda, a outra Encoraja;
Uma é utilitária e a outra Exigente;
Uma é cósmica, a outra - Ontológica.



Por Rogério de Sousa

Implicações da Paidéia para a educação atual

Com o desenvolvimento da escrita na Grécia, a produção de textos para-religiosos incentivou a busca epistêmica da aletéia. Perguntava-se na ágora: "Que verdade há nisso que está sendo falado?" E a dúvida pós-homérica e pré-socrática se tornou "vício" na sociedade helênica. Uma vez que as tribos cederam lugar para as cidades-estados e os patriarcas cederam lugar aos pedagogos (pessoas que acompanhavam os meninos até locais de ensino), os oráculos cederam vez para as leis. 

Seria possível a sobrevivência dos deuses neste mundo de homens governados por leis humanas? Até quando o mito explicaria a existência? Entre a gente comum pouco importavam os debates da ekklesia, mas para comerciantes e políticos era fundamental "agir sobre o destino", modificar o rumo da existência. Duas cidades que levaram o ideal grego ao zênite foram Atenas e Esparta. 

Ambas se rivalizavam em tudo, inclusive na educação de seu povo. Enquanto os atenienses aplicavam-se ao exercício da razão para o governo da polis, os espartanos direcionavam os esforços educacionais para a segurança de Esparta e conquista de vitória nas guerras. Os espartanos tornaram-se rigidamente disciplinados e exímios conhecedores da ciência bélica, ao passo que os atenienses deram força ao conhecimento filosófico tornando-se o berço do saber ocidental. 

Temos nesta dialética espartana-ateniense um bom modelo para a educação na pós-modernidade. Por um lado é preciso enxugar do currículo escolar as matérias ociosas para a vida prática dos alunos, assim como faziam os espartanos. Eles ensinavam para o contexto histórico de suas guerras e conquistas. Em campo de batalha os guerreiros necessitavam bem mais de músculos e agilidade do que de teorias abstratas sobre a origem dos deuses e dos males, precisavam interpretar ordens e segui-las bem mais que discutirem sobre a ética e validade das mesmas;
Por outro lado é preciso enriquecer o cabedal de conhecimentos dos alunos e produzir um avanço científico que retire os homens do campo de batalhas para as mesas de negociação. Nisto os atenienses deram exemplo aos ocidentais. Formaram homens livres que garantissem a abrangência desta liberdade a outros homens. 

Se em nosso tempo seguíssemos esta dialética nos currículos escolares teríamos bem maiores colheitas e maiores satisfações com os sistemas de ensino. Eu mesmo estaria bem melhor preparado para enfrentar a pós-modernidade que estou agora. Penso nos anos a fio que perdi dentro das escolas, decorando fórmulas e questinários desnecessários para a vida prática. 


Por Rogério de Sousa

Períodos da filosofia antiga

Há um dilema cronológico na filosofia: teria ela surgido no oriente ou no ocidente? 
A linha férrea das academias cede a paternidade aos gregos, portanto, ao ocidente. Por que? Por causa dos fragmentos que os pré-socráticos deixaram como evidência de suas inclinações demitizadoras. Eles questionaram "nos livros" a explicação mítica da existência. 

A filosofia pré-socrática foi o movimento de emancipação intelectual dos gregos caracterizado pela preocupação com a natureza e o cosmos. Ela inaugurou uma nova mentalidade, baseada na razão, e não mais no sobrenatural e na tradição mítica, dando progresso a quatro períodos principais do pensamento grego:

 período naturalista (pré-socrático, em que o interesse filosófico é voltado para o mundo da natureza);

 período sistemático ou antropológico, o período mais importante da história do pensamento grego (Sócrates, Platão, Aristóteles), em que o interesse pela natureza é integrado com o interesse pelo espírito e são construídos os maiores sistemas filosóficos, culminando com Aristóteles;

 período ético, em que o interesse filosófico é voltado para os problemas morais, decaindo entretanto a metafísica; 

 período religioso, assim chamado pela importância dada à religião, para resolver integralmente o problema da vida, que a razão não resolve integralmente.

Depois das grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa, houve um triunfo político da democracia. Dependendo, em tal regime, o domínio pessoal da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância que em semelhante situação devia adquirir a oratória, e, conseqüentemente, os mestres de eloqüência. Os sofistas tornaram-se mestres de eloqüência, sendo largamente retribuídos.

Em antagonismo à escola epicúrea, surge a Estóica que que toma dos cínicos o conceito da filosofia como exercício e estudo da virtude. Zeno de Cítio, Cleanto de Asos, Crisipo de Soles, Sêneca, Marco Aurélio, Epitecto são nomes dos mais famosos estóicos.

Aceitavam um materialismo dinâmico, mas o princípio ativo era identificado com o fogo de Heráclito e com o éter de Aristóteles, que invade todas as coisas com sua tensão e seu calor, que é, como Heráclito pensava, o Logos, a razão universal, a razão de todas as coisas. Por isso são também panteístas. 


Aceitavam uma inexorável necessidade (fatalidade) e, conseqüentemente, uma lei de finalidade (Providência), porque tudo é orientado racionalmente. Assim Deus é a ordem universal, fatal e providencial. 

O mal é necessário para que exista o bem: 
a injustiça, necessária para que exista justiça.
Não há verdade sem a falsidade.
A liberdade individual é um momento da fatalidade universal. 
O fim ideal do indivíduo é a criação e a conservação de uma harmonia de vida, que é conformidade com sua natureza interior, enquanto é conformidade com a natureza universal. 
O domínio da razão, que é o Logos universal, deve impedir as perturbações dos impulsos irracionais, as paixões.
É a virtude o ideal do sábio, e ela consiste na extirpação das paixões (apatia) e na imperturbabilidade (ataraxia).
Todas as paixões são vícios porque são erros e enfermidades da alma.
Assim repelem os impulsos comumente condenados, como a ira, o temor, a avidez, a cupidez, etc, como também os julgados louváveis, como a piedade, as aflições por calamidade pública, a compaixão, etc.

Não se pode dizer que os estóicos fossem egoístas, no mau sentido, por se desinteressarem com as calamidades públicas. Mas a sua visão do mundo, leva-os a compreender que um mal particular podia ser um bem no conjunto universal. 


Além disso, pregavam eles a indiferença, para com o sofrimento próprio, uma atitude tal, que o termo estoicismo alcançou, no vocabulário popular, um sentido de serena superioridade ante o sofrimento. 


Por Rogério de Sousa