sexta-feira, 3 de maio de 2013

Filosofia Contemporânea - Kant

1) Quais sãos os aspectos presentes na filosofia kantiana que mais se relacionam com o Iluminismo?

O Iluminismo pode ser sintetizado como um movimento que pretendia, a partir da razão, lançar suas luzes sobre a humanidade. Assim, seus pensadores defendiam que o progresso intelectual, material e moral, dependeriam do exercício da razão, de maneira a libertar os homens de suas prisões dogmáticas.

Assim, podemos associar a filosofia kantiana ao mesmo movimento que pretendia dar cabo das respostas que permitiriam o progresso seguro da ciência: o questionamento sobre a origem e limites do conhecimento. Logo, se o Iluminismo propunha-se a conceber o mundo a partir da razão, Kant pretendia legitimar seus limites, construindo um sistema que permitisse responder, de maneira segura, o que nos seria possível saber, fazer e esperar. 

Portanto, na mesma corrente iluminista, Kant tinha a confiança de que a partir da razão, o homem poderia discutir e compreender todos os problemas que lhe fossem propostos, conquistando, assim, a verdadeira autonomia.

2) Por que Kant considera que realizou uma revolução comparável à efetuada por Nicolau Copérnico?

De fato, Kant foi o precursor de uma revolução equivalente a de Copérnico na Astronomia, ao propor a distinção entre o mundo fenomênico e o mundo noumênico. 

Como panorama histórico, vale lembrar que Kant viveu em uma época em que havia duas correntes filosóficas, contrárias e dominantes, que pensavam o mundo: a dos racionalistas e a dos empiristas. Assim, superando essa dicotomia filosófica entre as duas correntes, Kant revolucionou a concepção sobre o conhecimento humano, a partir da reavaliação de todos os conceitos que o precederam.

A partir dessa reavaliação, Kant determinou que a metafísica não era objeto das discussões científicas e, a partir de suas Críticas (sobretudo, da Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática), revolucionou o entendimento sobre a relação entre sujeito e objeto.

Na Crítica da Razão Pura, Kant realiza a análise dos juízos (relação entre os conceitos pensados), classificando-os em três tipos: 

Juízo Analítico/A priori: relação onde o predicado é subentendido a partir da análise do sujeito, como se já estivesse contido nele. Neste juízo, não existe necessidade de comprovação experimental e o predicado nada acrescenta ao sujeito. É um juízo universal e necessário. Exemplo: "O sangue é vermelho" (no exemplo, o predicado vermelho nada acrescenta à idéia que temos sobre o sangue, pois sabemos, de maneira universal e necessária, que todo sangue é vermelho; também não precisamos nos cortar para ter a garantia da afirmação). Logo, subentende-se que seja um juízo com conceito semelhante às idéias racionalistas.

Juízo Sintético /A posteriori: relação onde o predicado agrega informação ao sujeito, pois não pode ser simplesmente extraído do sujeito. Não há universalidade, nem necessidade nessa relação e ela exige experimento. Exemplo: "O sangue estava contaminado" (no exemplo, o predicado acrescenta informação à idéia que temos sobre o sangue; estar contaminado, não é uma regra universal, nem necessária, a todos os sangues que porventura sejam analisados; a afirmação exige constatação empírica para tornar-se válida). Logo, subentende-se que seja um juízo com conceito semelhante às idéias dos empiristas.

Juízo Sintético a Priori: aqui trata-se da revolução kantiana, pois atrela os dois juízos anteriores, conciliando-os na concepção sobre o entendimento do mundo. Para o filósofo, é este juízo que deve determinar as especulações científicas, pois alia universalidade e necessidade, à nossa capacidade de sintetizar informações vindas da sensibilidade.

Ou seja, a revolução kantiana altera completamente a maneira de pensar a relação entre objeto e sujeito: se antes, o conhecimento era regulado pelos objetos, com o Juízo sintético a priori, os objetos passam a ser regulados pelo nosso conhecimento. Isso quer dizer que Kant revoluciona a Lógica Tradicional, ao afirmar que o sujeito não pode ter acesso à coisa em-si, mas somente à maneira como essa coisa se apresenta a ele, de acordo com suas cognições sensíveis e intelectivas.

É a partir dessa revolução na relação entre sujeito e objeto, que posteriormente Kant vai investigar e determinar a divisão do conhecimento entre sensibilidade (capacidade de sermos afetados pelos objetos) e pensamento (capacidade do entendimento em produzir representações a partir dos dados obtidos com a sensibilidade).

Logo, Kant tinha razão quando comparava sua teoria à revolução de Copérnico: o astrônomo decretou uma nova visão geocêntrica, onde a Terra deixava de ser o centro imóvel do universo, para colocá-la em movimento, orbitando o Sol; da mesma maneira, Kant remove os objetos do centro de nossa percepção, e no lugar deles, coloca o sujeito e as relações que ele estabelece, pela sensibilidade e pelo pensamento, com tais objetos para a produção de conhecimento.

3) Qual é a grande novidade da proposta ética kantiana?

Se na Crítica da Razão Pura, Kant procurou delinear os novos contornos sobre o conhecimento, na Crítica da Razão Prática, ele determinou como este conhecimento pode ser utilizado para a vida moral.

Para isso, definiu as máximas morais (válidas apenas para a vontade do sujeito, para determinados propósitos) e as leis morais (objetivas e válidas para qualquer vontade racional).

As leis morais, de cunho universal a todos os homens, foram postuladas por Kant a partir de seus imperativos: hipotético (visam a um determinado fim, como se a obediência humana a eles objetivasse, apenas, alcançar determinada meta) e o categórico (lei universal de conduta, independentemente da vontade do sujeito ou do fim que ele pretende alcançar).

Assim, a grande novidade da ética kantiana, consiste em determinar as leis morais a partir de seus imperativos, concebendo uma doutrina moral que não se submete mais aos dogmas metafísicos, mas que é racional. Não se deve trair a esposa porque vai contra o mandamento divino, e sim porque trair a esposa não pode ser uma regra universal. Se não é prudente, nem saudável, que todos os maridos traiam suas esposas, então trair a esposa não pode ser considerada uma ação moral. 

Logo, a principal novidade consiste em universalizar a regra moral: só posso agir de determinada maneira, se eu considerar correto que, universalmente, todos ajam da mesma maneira. Trata-se, portanto, de uma regra moral racional, desvinculada de medos metafísicos e, sobretudo, desvinculada do resultado que pretende-se alcançar: age-se moralmente porque é o correto a ser feito, e não por medo de qualquer punição. 

4) Poderíamos dizer que, ao nos submetermos aos imperativos éticos kantianos, perderíamos nossa liberdade?

Depende do que entendemos sobre liberdade. Para Kant, é livre o homem que não é vítima de seus impulsos, de suas vontades instáveis. E para não sermos vítimas de tais paixões, o imperativo categórico nos libertaria, pois estaríamos pautados a partir de ações "boas em si mesmas", e não boas apenas para um fim determinado. Neste sentido, os imperativos categóricos nos tornariam livres, pois deixaríamos de ser presas de nossos quereres.

Logo, os imperativos poderiam ser entendidos como submissão voluntária, pelo gosto do puro dever, o que não significaria, em tese, perda da liberdade. Ao contrário, proporcionaria a libertação humana ao nos tornar autônomos de nossos interesses particulares, sem qualquer objetivo específico, que não a universalidade das condutas entre os indivíduos. 

Nietzsche, ao contrário, considerou tais imperativos como afrontas à capacidade humana de superar-se, de ir além das regras morais que tolhem o potencial humano, uma obediência cega e irracional à tradição, que nele provoca risos:

"E agora não me fale de imperativo categórico, meu amigo! - esse termo faz cócegas em meus ouvidos, e tenho que rir, apesar de tua presença tão grave: em face dele, eu penso no velho Kant, que, como castigo por ter deixado escapar "a coisa em si" - também uma coisa muito ridícula! -, foi colhido pelo "imperativo categórico", e com ele retornou de novo, de coração e por engano, para "Deus", "alma", "liberdade" e "imortalidade", igual a uma raposa que retornou por engano à sua jaula: - e tinham sido sua força e inteligência que haviam arrombado a jaula! - Como? Admiras o imperativo categórico em ti? Essa "solidez" do teu chamado juízo moral? Essa "incondicionalidade" do sentimento: "assim como eu, todos deveriam julgar assim a respeito disso"? Admira antes teu próprio egoísmo nisso! E a cegueira, a pequenez e a falta de exigência de teu egoísmo! A saber, o egoísmo é sentir seu juízo como lei universal; e, de novo, um egoísmo cego, pequeno e não exigente, pois ele denuncia que tu mesmo ainda não te descobriste, ainda não criaste, para ti mesmo, nenhum Si-Próprio, um ideal ipssímo: - este, com efeito, jamais poderia ser o ideal de um outro, quanto mais então de todos, de todos! (Nietzsche, apud Giacóia Junior, p. 25 e 26). 

Assim, podemos entender que o imperativo categórico, por um lado, proporcionaria liberdade ao indivíduo, que permaneceria ileso diante de suas paixões e impulsos, se auto-imputando uma moral universal, de acordo com o dever e não com a vontade.

Por outro lado, podemos entender tal imperativo como tolhedor da liberdade alheia, onde o ideal de certos membros da sociedade, por assim considerarem correto, tornar-se-ia o ideal de todos, de maneira unânime, tornando todos reféns, e não libertos, de uma moral que assola e exige dos indivíduos, o ideal ascético da sujeição consentida e resignada.

Portanto, para responder a essa questão, precisaríamos ter pré-definido o ideal de liberdade, diverso em cada indivíduo.

Posicionamento crítico: 

1. Imposição de limites à Metafísica

Kant limita a Metafísica ao descredenciá-la como objeto de especulação científica. No caso de Deus, por exemplo: se cabe à sensibilidade a capacidade de sermos afetados pelos objetos e se essa afetação depende de os objetos estarem situados no espaço e no tempo, não há como especular, cientificamente, sobre sua existência - pois imagina-se que este ente mítico esteja "além" de qualquer definição espaço-temporal.

Logo, entendo que Kant não refutou a metafísica, que cumpre seu papel ao especular sobre o mundo. Mas deixou de atribuir-lhe validação científica, propondo que ao homem não cabe investigar os objetos que estejam foram de seu alcance, como o caso de Deus ou qualquer outra questão não reconhecível pela sensibilidade.

Portanto, se segundo Aristóteles, a metafísica é "uma ciência que investiga o ser como ser e as propriedades que lhe são inerentes devido à sua própria natureza" (2006), e se Kant refuta em seu sistema filosófico a possibilidade de o sujeito conhecer a coisa em si, mas apenas como ela se apresenta ao sujeito a partir da sensibilidade e do pensamento, podemos concluir que a Metafísica tenha sido limitada pelo pensador alemão, ao menos enquanto possibilidade científica de investigação do mundo.

2. Possibilidade da ética kantiana para a ação humana

Em um primeiro momento, parece óbvio afirmar a perfeição de uma sociedade em que só poderíamos tomar decisões/ações que consideraríamos aceitáveis universalmente, de modo que, se todos agíssemos desta maneira, teríamos um mundo mais justo e de ações mais harmoniosas entre os seus sujeitos. Além disso, a moralidade proposta por Kant, parece antever os anseios modernos para as relações humanas:

"A dignidade da pessoa decorre, para Kant, da liberdade e da autonomia, enquanto capacidade ou poder legislador, visando a autorrealização da humanidade em todas as suas disposições naturais (...). A filosofia prática de Kant conserva hoje toda a sua atualidade e fecundidade porque dá às noções de dignidade e de pessoa uma conteúdo axiológico plenamente convergente com os requisitos da modernidade ético-jurídico-política, enquanto era do desencantamento do mundo". (GIACÓIA JUNIOR, p. 22 e 23).

Contudo, penso que não seja possível, à humanidade, agir de acordo com o imperativo categórico kantiano, uma vez que somos animais, que apesar da razão, agimos de acordo com nossas paixões e impulsos.

Não há como desatrelar nossos interesses particulares das decisões que tomamos, uma vez que procuramos a sobrevivência, à parte de qualquer imperativo moral social.

Todos agimos de acordo com nossas conveniências e necessidades, sem que isso, ao meu modo de ver, possa ser considerado um ato imoral. A moralidade, apesar do que propõe Kant, não pode ser considerada universal, pois não são universais os interesses e necessidades humanas. Há que se considerar a cultura, o meio e a sobrevivência.

Por exemplo: podemos considerar a regra "não matar", como um imperativo categórico. Entendemos todos, enquanto sujeitos racionais, que a prática do assassinato deva ser condenada por ser moralmente inaceitável.

Contudo, há tribos à margem deste consenso sobre a morte, em que crianças que nascem abaixo do peso ou com qualquer outra deficiência física, são sacrificadas em nome da sobrevivência do grupo: crianças que nascem com problemas físicos demandariam cuidados especiais de determinadas tribos, colocando em risco os sujeitos saudáveis, que passariam a vida defendendo o sujeito mais fraco.

Para nós, ocidentais e em processo de inclusão social, parece-nos absurda a idéia de sacrificar uma criança surda, por exemplo. Mas este código moral cabe apenas a nós, sujeitos ocidentais, criados a partir deste determinado código. Como exigir que tribos isoladas, com outra cultura e modos de sobrevivência, ajam de acordo com este nosso imperativo?

Portanto, embora eu acredite que o imperativo categórico (o dever pelo dever e não de acordo com necessidades específicas) pudesse ser colocado em prática e que isso talvez fizesse do mundo um lugar mais harmonioso, penso também que tal ação, homogênea e pautada exclusivamente pelo dever, à parte de nossos impulsos, além de muito pouco provável, tornaria, a nós todos, sujeitos mecanizados, onde a cultura e os interesses particulares não seriam levados em consideração. Um mundo, como disse, muito pouco provável e, em sendo possível, insosso, homogêneo, cristalizado. Um mundo assujeitador de sujeitos arrebanhados, estáticos, obedientes e pouco críticos. Um mundo do qual eu não gostaria de fazer parte.

FONTES DE CONSULTA:

KRASTOV, Stefan Vassilev; CRESPO, Luís Fernando; BOTELHO, Osmair Severino. CRC História da Filosofia Contemporânea I, CEUCLAR.

JUNIOR, Oswaldo Giacoia. Nietzsche X Kant: Uma Disputa Permanente a Respeito de Liberdade, Autonomia e Dever. São Paulo: Casa da Palavra, 2012.

ARISTÓTELES. Metafísica. Coleção Os Pensadores, Volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

ADAMS, Adair; MATOS, Edegar Soares de. Aspectos de uma Metafísica em Kant. Disponível em: < http://www.artigocientifico.com.br/uploads/artc_1302033289_12.pdf >. Acesso em 28 abril 2013.

DESTÁCIO, Mauro Celso. Imperativo Categórico. Disponível em: < www.eca.usp.br/nucleos/filocom/mauro.doc >. Acesso em 28 abril 2013.

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