Dissertação crítica sobre as discussões
presentes na política educacional atual e a sua proposta de ensino da
Filosofia. Texto de apoio: Brasil:
Da Via Colônia, de José Chasin.
1. INTRODUÇÃO
Refletir sobre a construção e a consolidação do capitalismo no Brasil, em
vista das concepções dos modelos clássico (Inglaterra e França) e prussiano
(Alemanha e Itália), em contraposição à via colonial postulada por Chasin, é remontar
também a história da identidade brasileira, bem como a própria educação no País.
À luz do texto do filósofo José Chasin, é possível darmos início à
compreensão das conseqüências do tardio processo de ingresso do Brasil aos
modos de produção do capitalismo, e com isso teorizarmos, por analogia, sobre suas
inerentes implicações no sistema pedagógico brasileiro.
A partir da construção teórica que Chasin realiza sobre as mudanças de
percurso da economia brasileira, bem como da ausência de uma burguesia
preocupada com a revolução democrático-social, pretendemos aqui delinear como a
objetivação do capitalismo no Brasil promoveu a restrição da população ao
mercado privado e como a educação, nesse processo, tornou-se mais um artefato
de consumo destinado a poucos.
2. PRINCIPAIS ASPECTOS HISTÓRICOS
O filósofo José Chasin denomina de
“via colonial” o processo de objetivação
do capitalismo no Brasil. Utilizando-se de ampla argumentação e de trechos de
textos de outros pensadores, o filósofo demonstra como o capitalismo no Brasil
se desenvolveu de maneira particular, a partir de uma identidade conceitual e
histórica comum aos países colonizados, realizando, assim, uma contraposição ao
capitalismo instaurado no modelo clássico e no modelo prussiano.
No entanto, acreditamos que o autor,
por subentender a compreensão de tais conceitos por parte do leitor, não se
ateve a detalhar de maneira mais clara as especificidades dos três modelos de
objetivação do capitalismo, razão pela qual optamos aqui por realizar um breve
e despretensioso apanhado histórico de tais modelos, para só então
aprofundarmos a reflexão sobre tais premissas quando pensadas pelo prisma da
educação, sobretudo do ensino de Filosofia, no Brasil.
2.1. Objetivação do capitalismo – modelo clássico e prussiano.
O lugar que hoje o Brasil ocupa na cadeia hierárquica do capitalismo,
deve-se em grande parte ao próprio processo de transformação dos modos de
produção brasileiros, onde a economia agro-exportadora tornou-se
industrializada, sem que para isso houvesse, de fato, uma revolução burguesa em
prol da democracia social, como pode ser observado no modelo inglês.
Historicamente, o capitalismo foi objetivado a partir de dois grandes
modelos: o clássico e o prussiano. No modelo clássico, de desenvolvimento na
Inglaterra e na França, a burguesia armada de poderosos argumentos políticos e
do desejo de tomada de poder da hierarquia feudal, incitou o povo a participar
com ela da revolução. Com isso, aliada à massa de trabalhadores, a burguesia deu
cabo de uma completa ruptura entre as relações de produção e consumo vigentes,
efetivando uma revolução sem precedentes e que culminaria no total
destronamento da nobreza em detrimento de sua ascensão.
Já no modelo prussiano, desenvolvido na Alemanha e Itália, não houve uma
ruptura radical entre os novos interesses burgueses e as antigas hierarquias da
nobreza. Neste modelo, a transição para o capitalismo ocorreu aos poucos, sem
grandes revoluções, conciliando os interesses da antiga nobreza agrária com os
novos modelos de produção, operando, assim, o que Chasin chamou de
“transformação pelo alto”, impossibilitando que a massa trabalhadora, ao
contrário do que ocorreu no modelo clássico, participasse e dividisse os frutos
de tal transformação:
Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento
capitalista aponta para uma modalidade particular desse processo, que se põe de
forma retardada e retardatária, tendo por eixo a conciliação entre o novo emergente
e o modo de existência social em fase fé perecimento. Inexistindo, portanto, ruptura
superadora.[...] Implica um desenvolvimento mais lento das forças produtivas,
expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só paulatinamente vai
extraindo do seio da conciliação as condições de sua existência e progressão.
Nesta transformação ‘pelo alto’ o universo político e social contrasta com os
casos clássicos, negando-se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas
híbridas de dominação, onde se ‘reúnem os pecados de todas as formas de
estado‘. [1]
Com isso, afere-se que a transição prussiana para o capitalismo deu-se
como um acordo entre nobreza e a burguesia, que covarde diante das tarefas que
a ela seriam atribuídas para o gerenciamento de uma verdadeira revolução,
aliou-se aos interesses imperalistas, abrindo mão de suas tarefas políticas.
Sobre o contraste entre estes dois modelos de objetivação do capitalismo,
afirma Chasin:
Distinções agudas, por exemplo, e darei apenas um, que
fazem com que, no caso da revolução do “tipo europeu”, a categoria social da
burguesia, condutora real do processo, realize tanto as tarefas econômicas,
como as tarefas políticas da sua cabal reconversão do mundo; ao passo que,
diferentemente, a burguesia prussiana, ainda que de modo tardio, refreado e
conciliador, só efetiva suas tarefas econômicas, sem jamais dar conta de suas
tarefas políticas. [2]
2.2. Objetivação do capitalismo – modelo via colonial
Para perfazer a
gênese do capitalismo brasileiro, Chasin propõe a alcunha de capitalismo via
colonial, um terceiro modelo de transição de hierarquia da nobreza para o
capitalismo, frente aos modelos clássico e prussiano.
Tal qual ocorrido no modelo
prussiano, no Brasil não houve uma revolução democrático-social por parte da
burguesia. Ou seja, a evolução do capitalismo não se desenvolveu em prol de uma
consolidação da democracia, enquanto exercício de direito popular. Aqui, de
maneira similar ao ocorrido nos países de transição prussiana, a objetivação do
capitalismo ocorreu de maneira gradual, onde o país desvencilhou-se aos poucos
e sem grandes revoluções, de uma economia agrário-exportadora para os novos
métodos de produção imputados pelo capitalismo.
No entanto, embora similares os
modelos de transição para o capitalismo, realizados no Brasil e verificados
anteriormente na Alemanha e na Itália, Chasin denomina de “via colonial” para
referir-se a este processo próprio do Brasil, e também típico de países colonizados.
Essa separação entre o modelo prussiano e o ocorrido no Brasil, é realizada
pelo filósofo em vista das particularidades do nosso processo de colonização,
que embora parecidas com os da via prussiana, assumiram contornos próprios.
O Brasil, como se sabe, foi uma
colônia de exploração de Portugal, servindo aos interesses de acúmulo de
riquezas da coroa portuguesa. Com isso, a colônia ficava restrita às
negociações diretamente com Portugal, sendo impedida de consolidar um mercado
externo e interno para as suas produções, em vista das determinações do Pacto Colonial.
No entanto, com a abertura dos portos por Portugal, o que mais tarde resultaria
na independência do Brasil, o país, embora livre, continuou subordinado às leis
de mercado, uma vez que não havendo comércio interno no Brasil colônia e com a
ausência de Portugal enquanto intermediária das exportações brasileiras, o país
deslocou sua dependência para a Inglaterra, principal consumidora dos produtos
brasileiros:
Porém, com a independência, se o país, de um lado
eliminava os laços que o ligavam à dependência colonial, por outro, consolidava
uma relação de subordinação econômica ao centro privilegiado do regime
capitalista, naquele momento à Inglaterra. Isto porque, dada a ausência de um
mercado interno considerável e de uma economia produtora manufatureira, o
Brasil tornava-se refém da mesma lógica exportadora de artigos primários que
presidia o período colonial.[3]
Assim, podemos afirmar que embora o Brasil tenha se tornado livre e
deixado de lado sua condição de colônia de Portugal, ao mesmo tempo tornou-se
presa do comércio com a Inglaterra, desprovido de autonomia econômica. Ou seja,
embora livre, o Brasil não se desvinculou de seu histórico de dependência.
Desta maneira, dando um salto histórico e chegando aos anos trinta, vemos
o país ainda refém de uma economia agro-exportadora de café, mantendo-se
atrelado à dependência do mercado internacional. Assim, podemos afirmar que a
burguesia brasileira não demonstrou nenhum indício de força suficiente, neste
período, para romper com a dependência advinda desde o Brasil colônia, a ponto
de propor, como no modelo clássico, a revolução burguesa. Por outro lado,
também não seguiu estritamente ao modelo prussiano, pois não foi capaz de “realizar nem as tarefas econômicas, nem as
tarefas políticas próprias de sua classe”. (CHASIN).
Por estes motivos, o processo de objetivação do capitalismo é dado por
Chasin como um terceiro modelo, a via colonial. Quando o filósofo afirma que no
Brasil as agitações foram sempre superficiais e sem apoio popular, ele
determina uma característica própria dos países colonizados e que, por este
motivo, ingressaram no sistema capitalista de maneira hiper-tardia, e ainda
dependente da relação com o capital externo.
Assim, com base nas reflexões sobre o apanhado histórico realizado por
Chasin, podemos afirmar que nunca houve autonomia na objetivação do capitalismo
no Brasil, tornando-nos retardatários e donos de uma herança que aponta para a
falta de caráter popular e democrático da evolução do capitalismo no Brasil,
onde mantém-se a hierarquia entre nobreza e povo, com uma burguesia covarde
frente aos desafios da revolução e submissa aos interesses do capital.
3. EDUCAÇÃO E CAPITALISMO NO BRASIL
A partir do panorama histórico proposto
por Chasin, é possível constatarmos três premissas das quais não podemos nos
desatrelar: a subserviência do Brasil ao mercado estrangeiro; a ausência de
autonomia com relação à produção de nosso capital; a total exclusão da
população no processo revolucionário do país. Tendo em vista tais constatações,
partiremos agora para a análise deste quadro político-social no que se refere à
educação no país.
Desde sua colonização, o Brasil tem
sido refém dos interesses de terceiros. De acordo com a leitura de Chasin, podemos
compreender que a autonomia que tornaria possível a emancipação capitalista do
país, não foi possível devido à ausência de participação popular nos processos
econômicos e a conseqüente objetivação do capitalismo a partir de tais
premissas. Desta maneira, deveremos
refletir sobre a formação político-social dos cidadãos brasileiros e sobre os
reflexos de tal formação no contexto educacional. Não havendo cidadãos
conscientes e participativos, é possível termos alunos exigentes com a qualidade
de sua formação? Haverá espaço para o
pensamento filosófico dentro de tal contexto? É o que nos proporemos, agora, a
refletir.
3.1. Discussões presentes na política educacional atual
Dado o atrelamento indissociável
entre capitalismo e homem moderno, não é possível que imaginemos hoje o sucesso
de um indivíduo que não advenha do seu trabalho, ou seja, de sua contribuição
para a manutenção do sistema econômico vigente. Assim, a educação é um dos
fatores mais importantes para esta cultura moderna que prevê, a partir da
especialização intelectual, que o homem seja capaz de conquistar sua autonomia
e de tornar-se, assim, mão de obra qualificada.
No entanto, o desenvolvimento
capitalista brasileiro, por ter se constituído de maneira dependente e
hiper-tardia, não alavancou as mesmas oportunidades a todos os cidadãos,
situação que se reflete diretamente na educação no país. Desta maneira, a
educação se apresenta, muitas vezes, como um beco sem saída: uma minoria tem
acesso à educação de qualidade no Brasil; não tendo acesso à educação de
qualidade, a maioria dispõe de uma fatia menor no bolo capitalista de produção
e consumo; produzindo de maneira mais barata e consumindo menos, a maioria dos
indivíduos tem cada vez menos acesso ao conhecimento especializado, e assim
sucessivamente, em uma roda econômica que insiste em girar contra o
trabalhador. Nas palavras de Gentili:
O indivíduo é um consumidor de conhecimentos que o
habilitam a uma competição produtiva e eficiente no mercado de trabalho. A possibilidade de obter uma inserção efetiva
no mercado depende da capacidade do indivíduo em ‘consumir’ aqueles
conhecimentos que lhe garantam essa inserção. [4]
Com isso, podemos afirmar que a
educação no Brasil hoje se configura como uma moeda de troca para a inserção
social do indivíduo. E o capitalismo promove justamente essa concepção, de que
por meio da educação o indivíduo seja capaz de galgar seu status social,
promovendo uma melhora em sua qualidade de vida.
Mas não podendo o Estado assumir a
responsabilidade pela educação de qualidade à população renegada
historicamente, privatiza tais ações, deixando nas mãos de empresas parte significativa
da oferta de educação no país. De acordo com o educador Minto:
Na educação superior, operacionaliza-se um duplo movimento
que, de um lado, reduz a educação a um mero serviço, sem qualidade, para o
“consumo” das massas, e que explica a expansão indiscriminada do setor
de ensino privado; e, de outro, que significa a manutenção de um
ensino de relativa qualidade na rede pública, tido como de “excelência”, mas
devidamente contingenciado e
incapaz de suprir
a demanda histórica –
amplamente insatisfeita – por
ensino superior no
Brasil. A ideologia
da empregabilidade estimula a
procura pelo ensino privado, sobretudo entre as
camadas mais pobres da classe trabalhadora. Isto ocorre porque essa
escolarização, rápida e de acesso fácil, é vista como uma forma de ascender
socialmente, como uma solução para muitas dificuldades. [5]
Constatamos, portanto, que atualmente
as políticas educacionais estejam voltadas, em grande parte, para a formação de
mão de obra qualificada, e não de cidadãos formados de maneira completa, aptos
a pensarem criticamente sobre suas relações humanas e o seu estar no mundo. A
educação brasileira não é humana, mas técnica. E isso se deve, tal como na
objetivação do capitalismo, à gênese da cultura educacional no país.
É fácil observarmos a implementação
de diversas políticas educacionais que versam sobre a igualdade de direitos
para que todos os cidadãos tenham acesso à educação básica. Esse movimento vem
ocorrendo desde a migração da população das áreas rurais para os grandes
centros urbanos, sobretudo a partir da década de trinta. Assim, a educação foi
se configurando, desde a sua gênese, como uma maneira de garantir qualificação
profissional a estes novos habitantes dos grandes centros urbanos, no
raciocínio de que cidadãos capazes de trabalhar, produzir e consumir produtos e
serviços, seriam cidadãos capazes de sustentar as engrenagens capitalistas. De
acordo com Giamogeschi:
Desse modo, o capitalismo industrial promoveu um novo
curso na educação brasileira. Se antes, durante o sistema oligárquico, as
necessidades de instrução e uma organização educacional não se faziam
necessárias pela população, diante das condições e exigências do trabalho, nem
pelos centralizadores do poder, ficou evidente que, com o capitalismo
industrial e a nova realidade proveniente deste, a instrução tornou-se
principal meio de ascensão social e colocação no mercado de trabalho,
especialmente com o crescimento do setor terciário. [6]
No entanto, da mesma maneira como
ocorreu com o processo de industrialização e objetivação do capitalismo no
Brasil, a educação, ainda que técnica e para a formação de mão de obra, foi
incipiente e desigual, desde sua instauração, no país. Embora dentro do
processo histórico, os níveis de analfabetismo tenham caído significativamente
desde a década de setenta, bem como seja visível o aumento do número de
crianças na escola pública e de base, a educação ainda não foi democratizada no
Brasil, sendo certo que o ensino continua a formar analfabetos funcionais e a
priorizar o ingresso de alunos com maiores condições financeiras ao ensino
superior. Tais discrepâncias, de acordo com Romanelli, mantém o conflito de
classes e a desigualdade social no país:
(...) teve de oscilar, a contar de 1930, entre os
interesses das camadas populares por mais educação, e educação que assegurasse status,
e os interesses das classes dominantes, que procuravam conter, de várias formas
possíveis, as pressões dessas camadas. Reside aí a razão pela qual o ensino se
expandiu, apesar de tudo, mas expandiu-se de forma insuficiente e distorcida. [7]
Essa luta de classes travada em ambiente escolar pode ainda ser observada
nos dias de hoje, através dos métodos de ingresso às universidades públicas no
país. Vestibulares cada vez mais exigentes, selecionam apenas aqueles alunos que
tiveram maiores oportunidades de estudo desde a tenra infância. Ainda que
políticas assistencialistas tenham garantido, de maneira precária e através de
cotas, o ingresso de alunos com condições financeiras menos favoráveis ao
Ensino Superior, podemos entender tais políticas apenas como remendos à falta
de democracia no ensino, que não precisaria dispor de tais cotas, se a educação
básica fosse disponível igualmente a todos os alunos, independentemente de sua
condição financeira.
Por
esta razão, podemos afirmar que, mediante a leitura da educação e da
objetivação do capitalismo no Brasil, a educação também foi instituída como uma
maneira de atender a demanda do mercado e não na oferta de educação de
qualidade indivíduos.
O ingresso hiper-tardio do Brasil aos processos de transição ao
capitalismo, tornaram o país refém de acordos entre os interesses da burguesia
e da nobreza, o que hoje, embora em uma República democrática, continua a
exercer seus reflexos também na educação. O ensino, tal qual os métodos de
produção e consumo, continuam refém do interesse de mercado, onde os cursos são
voltados, desde o ciclo básico, para a formação de mão de obra capaz de
sustentar as engrenagens capitalistas. Tal qual no processo de transição de
capitalismo via colonial, o povo também não tem acesso à revolução educacional,
mesmo porque, em grande parte, esse povo não é orientado para tanto. Mantém-se
o círculo vicioso aqui já citado, onde o indivíduo estuda menos e por isso se
mantém como mão de obra barata, o que o faz consumir menos e ter cada vez menos
participação na fatia do bolo capitalista.
Ainda na linha de pensamento de José Chasin, o povo continua excluído de
qualquer possibilidade de revolução, se entendermos que a revolução exige uma
compreensão conceitual sobre sua própria identidade social, o que não acontece
dentro das escolas brasileiras.
3.2. As propostas de ensino da Filosofia
Diante da constatação de um sistema
de ensino que permanece desigual e que é voltado à formação técnica e não
completa dos alunos, é importante pensarmos o papel da Filosofia neste cenário
e sua inclusão como disciplina obrigatória no Ensino Médio.
De acordo com as Leis de Diretrizes
e Bases (LDB) promulgadas em 1996, o ensino de Filosofia e Sociologia voltaram
à grade curricular da escola pública brasileira. Esta iniciativa atendeu às
expectativas de movimentos sociais que exigiam a volta dessas disciplinas
humanas, em prol de uma formação mais crítica do cidadão brasileiro.
Da mesma maneira, os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio dispõem atualmente de
orientações para que o enfoque
pedagógico seja na construção de um indivíduo pronto para as pluralidades do
mundo contemporâneo e que saiba articular
os diversos saberes que, juntos, possibilitem o alcance das demandas
modernas de trabalho e sociedade.
Podemos
considerar que tanto a LDB quando os PCNs dialoguem com a tarefa que é peculiar
à Filosofia: a reflexão sobre os conceitos da educação e sua aplicação para a
construção de uma sociedade mais crítica e menos embasada apenas em seu viés
funcional. Assim, a Filosofia pode operar na contextualização das disciplinas
na realidade do aluno, tornando-se importante ferramenta para a reestruturação
dos modelos pedagógicos formulados nas recentes políticas educacionais, bem
como na absorção de tais quebras de paradigmas por parte dos alunos.
No
entanto, o alcance da proposta do ensino de Filosofia fica restrito às teorias
educacionais, não se efetivando na realidade das escolas brasileiras. Assim, a
Filosofia permanece encarcerada ao ensino de sua História, que embora seja de
significante importância para o processo de ensino de aprendizagem da
disciplina, não é suficiente para o agir
filosófico, muito mais importante do que a simples “decoreba” exigida dos
alunos do Ensino Médio.
De
acordo com os PCNs, é esperado do ensino de Filosofia:
A aprendizagem nesta
área deve desenvolver competências e habilidades para que o aluno entenda a
sociedade em que vive como uma construção humana, que se reconstrói
constantemente ao longo de gerações, num processo contínuo e dotado de
historicidade; para que compreenda o espaço ocupado pelo homem, enquanto espaço
construído e consumido; para que compreenda os processos de sociabilidade
humana em âmbito coletivo, definindo espaços públicos e refletindo-se no âmbito
da constituição das individualidades; para que construa a si próprio como um
agente social que intervém na sociedade; para que avalie o sentido dos
processos sociais que orientam o constante fluxo social, bem como o sentido de
sua intervenção nesse processo; para que avalie o impacto das tecnologias no
desenvolvimento e na estruturação das sociedades; e para que se aproprie das
tecnologias produzidas ou utilizadas pelos conhecimentos da área. [8]
Assim, espera-se que a Filosofia aja como uma disciplina capaz de
desenvolver as habilidades necessárias para que o indivíduo conviva em
sociedade, tornando-se um agente ativo na compreensão do papel do homem diante
da realidade que o cerca. Contudo, tais conceitos ficam restritos ao campo
conceitual, não sendo aplicados no dia a dia, em razão do modelo estrutural da
própria educação no país.
Culturalmente ainda estamos presos à mentalidade de educação para o
trabalho, onde o diálogo, ou nos termos do renomado Edgar Morin, a “religação
dos saberes”, não consegue ser efetivada pela separação que ainda hoje é
exercida dentro da educação. O aluno, dentro da sala de aula, continua
adquirindo os saberes de maneira desarticulada, sem uma conexão conceitual
entre as disciplinas que permita com que o aluno enxergue o todo, ao invés das
partes como ocorre hoje em dia. A educação, no Brasil, segue ao modelo de linha
de produção da indústria: forma especialistas fechados dentro de suas
disciplinas, incapazes de dialogar com outros pontos de vista e de formarem um
conceito amplo sobre as questões que cercam a humanidade.
Esta deficiência acontece em razão do modelo que vem sendo aplicado desde
a gênese da educação no país: fragmentos de especialidades destinadas à
manutenção da dicotomia entre mão de obra (massa de trabalhadores) e
especialistas (os burgueses da era moderna). Assim, o ensino da Filosofia se
propõe a alterar esses paradigmas, mas fica restrito ao discurso legal, não
tendo a mudança cultural exigida para sua efetiva implementação enquanto
conectora de saberes e promotora de uma realidade mais crítica e menos
utilitarista.
4. CONCLUSÃO – EDUCAÇÃO NA VIA COLONIAL
Amparados pelo discurso de José Chasin, que conceituou a objetivação do
capitalismo no país pela via colonial, refletimos aqui sobre a educação
brasileira em vista do tardio ingresso do país ao sistema capitalista, do seu
histórico de dependência estrangeira e da ausência de participação popular nas
revoluções sociais.
Essa gênese do capitalismo brasileiro pode ser facilmente identificada na
concepção vigente sobre a educação, ainda que haja leis que tentem alterar o
atual paradigma utilitarista da educação. Hoje e sempre, a educação no Brasil
foi estabelecida para atender aos interesses do capitalismo.
Na época da economia agrário-exportadora, a educação era privilégio da
elite, onde não havia a preocupação com a massa de trabalhadores, em grande
parte situada fora dos grandes centros urbanos. Com o início da
industrialização no país e a migração desses trabalhadores rurais para as
cidades, a educação voltou-se para a formação de mão de obra que estivesse apta
a operar dentro do novo modelo capitalista. Ou seja, a educação continuou a ser
alicerçada como modo de alavancar o acúmulo de riquezas para a elite, uma vez
trabalhadores sem os conhecimentos necessários à manutenção dos novos meios de
produção, não era interessantes ao sistema econômico que começava a se
delinear.
Da década de trinta até o início dos anos sessenta, ano da primeira Lei
de Diretrizes e Bases, todas as tentativas de reformas educacionais mantiveram
a predominância da elite sobre o povo, onde as ações restringiram-se ao
populismo e aos interesses em instruir, ao menos minimamente, o novo operário
brasileiro. A partir da pressão popular e de parte dos intelectuais
brasileiros, a LDB/61 se caracterizou como um sutil avanço aos desejos de
democratização do ensino, embora ainda conservassem em grande parte os
interesses da elite em suas disposições, uma vez que tratava, em larga escala,
do ensino profissionalizante.
O mesmo caráter de utilização da educação como ferramenta aos interesses
capitalistas, pode ser constatado na LDB/71 e na LDB/96, uma vez que ambas
trazem em seu escopo as indicações para que a educação promova o ingresso dos
alunos ao mercado de trabalho, fim principal do capitalismo. Com relação à
LDB/96:
Art. 1º - A educação escolar deverá
vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social; Art. 2º - A educação,
dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o
trabalho. [9]
Assim, constata-se que na mesma medida em que a população foi excluída de
quaisquer participações na transição para o capitalismo, ela continua excluída
das políticas educacionais, que continua prevendo, ainda que camuflada nos códigos
de lei, o ensino técnico e restrito aos indivíduos com menos condições
financeiras.
A escola, desta maneira, continua prevendo a formação de mão de obra,
mantendo a tradição do atrelamento, indissociável, entre a educação e os interesses
do capital. Mesmo na época atual, onde diversas políticas de ensino foram
implementadas com o objetivo superficial de garantir educação para todos, ainda
assim, a educação não conquistou sua emancipação diante do poder econômico.
Mesmo quando se refere ao ensino de Filosofia, os objetivos educacionais
são sempre os relacionados à formação de um cidadão apto a interagir num mundo
de constantes transformações e de cada vez mais exigentes expectativas, ou
seja, aptos a operarem as regras do capital. Quando se espera que a educação, e
mais especificamente a Filosofia, seja a promotora de um exercício de
cidadania, esse exercício ainda é pressuposto pela lei do capital, onde o
conceito de cidadão permanece atrelado à subserviência do indivíduo perante o
Estado, lição aprendida historicamente ao observarmos a mesma subserviência do
Estado em relação ao capital estrangeiro.
Assim, sob o prisma do capitalismo pela via colonial e sua analogia ao
processo de educação do país, temos que concordar com Chasin quando, de maneira
enfática, afirma que o modo retardatário como o país se colocou na cadeia
capitalista gerou “mazelas e limites de toda ordem”. Limites e mazelas que
vemos serem mantidos, incentivados e revigorados pela educação, que nos mantém
reféns e dependentes do capital, afastando-nos das revoluções
democrático-sociais que não aprendemos serem possíveis e de nossa competência,
na escola.
5.
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SOARES, Rosemary Dore. O Pensamento Pedagógico de Gramsci e as
Tendências Interpretativas no Brasil. Disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv311.htm
[1]CHASIN apud MACENO. Considerações
sobre as (Im)possibilidades e Limites da
Universalização da Educação Escolar no Brasil: O Imperativo do Processo
Genético da Formação Social Brasileira. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/talvanes.pdf
[2]CHASIN, José. Brasil:
da via colonial à mundialização. Disponível em: http://www.verinotio.org/Sociedade/brasil.pdf
[3]MACENO, Talvanes Eugênio. Considerações sobre as (Im)possibilidades e Limites da Universalização da Educação Escolar no
Brasil: O Imperativo do Processo Genético da Formação Social Brasileira.
Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/talvanes.pdf
[4] GENTILI apud MINTO. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de
Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[5] MINTO, Lalo Watanabe. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de
Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[6]GIAMOGESCHI, Carina Lopes. O Capitalismo e a Expansão do Ensino no Brasil. Disponível em:http://www.unifia.edu.br/projetorevista/edicoesanteriores/agosto09/artigos/educacao/capitalismo.pdf
[7] ROMANELLI apud GIAMOGESCHI. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de
Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[8] BRASIL, MEC: Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Disponível em: WWW.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf
[9]BRASIL, MEC: Leis de Diretrizes e Bases DE 1996.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf
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