segunda-feira, 21 de maio de 2012

TCD FUNDAMENTOS E MÉTODOS DO ENSINO DA FILOSOFIA


Dissertação crítica sobre as discussões presentes na política educacional atual e a sua proposta de ensino da Filosofia. Texto de apoio: Brasil: Da Via Colônia, de José Chasin.

1. INTRODUÇÃO

Refletir sobre a construção e a consolidação do capitalismo no Brasil, em vista das concepções dos modelos clássico (Inglaterra e França) e prussiano (Alemanha e Itália), em contraposição à via colonial postulada por Chasin, é remontar também a história da identidade brasileira, bem como a própria educação no País.
À luz do texto do filósofo José Chasin, é possível darmos início à compreensão das conseqüências do tardio processo de ingresso do Brasil aos modos de produção do capitalismo, e com isso teorizarmos, por analogia, sobre suas inerentes implicações no sistema pedagógico brasileiro.
A partir da construção teórica que Chasin realiza sobre as mudanças de percurso da economia brasileira, bem como da ausência de uma burguesia preocupada com a revolução democrático-social, pretendemos aqui delinear como a objetivação do capitalismo no Brasil promoveu a restrição da população ao mercado privado e como a educação, nesse processo, tornou-se mais um artefato de consumo destinado a poucos.


2. PRINCIPAIS ASPECTOS HISTÓRICOS

            O filósofo José Chasin denomina de “via colonial” o processo de objetivação do capitalismo no Brasil. Utilizando-se de ampla argumentação e de trechos de textos de outros pensadores, o filósofo demonstra como o capitalismo no Brasil se desenvolveu de maneira particular, a partir de uma identidade conceitual e histórica comum aos países colonizados, realizando, assim, uma contraposição ao capitalismo instaurado no modelo clássico e no modelo prussiano.
            No entanto, acreditamos que o autor, por subentender a compreensão de tais conceitos por parte do leitor, não se ateve a detalhar de maneira mais clara as especificidades dos três modelos de objetivação do capitalismo, razão pela qual optamos aqui por realizar um breve e despretensioso apanhado histórico de tais modelos, para só então aprofundarmos a reflexão sobre tais premissas quando pensadas pelo prisma da educação, sobretudo do ensino de Filosofia, no Brasil.

2.1. Objetivação do capitalismo – modelo clássico e prussiano.

O lugar que hoje o Brasil ocupa na cadeia hierárquica do capitalismo, deve-se em grande parte ao próprio processo de transformação dos modos de produção brasileiros, onde a economia agro-exportadora tornou-se industrializada, sem que para isso houvesse, de fato, uma revolução burguesa em prol da democracia social, como pode ser observado no modelo inglês.
Historicamente, o capitalismo foi objetivado a partir de dois grandes modelos: o clássico e o prussiano. No modelo clássico, de desenvolvimento na Inglaterra e na França, a burguesia armada de poderosos argumentos políticos e do desejo de tomada de poder da hierarquia feudal, incitou o povo a participar com ela da revolução. Com isso, aliada à massa de trabalhadores, a burguesia deu cabo de uma completa ruptura entre as relações de produção e consumo vigentes, efetivando uma revolução sem precedentes e que culminaria no total destronamento da nobreza em detrimento de sua ascensão.
Já no modelo prussiano, desenvolvido na Alemanha e Itália, não houve uma ruptura radical entre os novos interesses burgueses e as antigas hierarquias da nobreza. Neste modelo, a transição para o capitalismo ocorreu aos poucos, sem grandes revoluções, conciliando os interesses da antiga nobreza agrária com os novos modelos de produção, operando, assim, o que Chasin chamou de “transformação pelo alto”, impossibilitando que a massa trabalhadora, ao contrário do que ocorreu no modelo clássico, participasse e dividisse os frutos de tal transformação:

Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento capitalista aponta para uma modalidade particular desse processo, que se põe de forma retardada e retardatária, tendo por eixo a conciliação entre o novo emergente e o modo de existência social em fase fé perecimento. Inexistindo, portanto, ruptura superadora.[...] Implica um desenvolvimento mais lento das forças produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só paulatinamente vai extraindo do seio da conciliação as condições de sua existência e progressão. Nesta transformação ‘pelo alto’ o universo político e social contrasta com os casos clássicos, negando-se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas híbridas de dominação, onde se ‘reúnem os pecados de todas as formas de estado‘. [1]

Com isso, afere-se que a transição prussiana para o capitalismo deu-se como um acordo entre nobreza e a burguesia, que covarde diante das tarefas que a ela seriam atribuídas para o gerenciamento de uma verdadeira revolução, aliou-se aos interesses imperalistas, abrindo mão de suas tarefas políticas. Sobre o contraste entre estes dois modelos de objetivação do capitalismo, afirma Chasin:

Distinções agudas, por exemplo, e darei apenas um, que fazem com que, no caso da revolução do “tipo europeu”, a categoria social da burguesia, condutora real do processo, realize tanto as tarefas econômicas, como as tarefas políticas da sua cabal reconversão do mundo; ao passo que, diferentemente, a burguesia prussiana, ainda que de modo tardio, refreado e conciliador, só efetiva suas tarefas econômicas, sem jamais dar conta de suas tarefas políticas. [2]

               
2.2. Objetivação do capitalismo – modelo via colonial
         Para perfazer a gênese do capitalismo brasileiro, Chasin propõe a alcunha de capitalismo via colonial, um terceiro modelo de transição de hierarquia da nobreza para o capitalismo, frente aos modelos clássico e prussiano.
            Tal qual ocorrido no modelo prussiano, no Brasil não houve uma revolução democrático-social por parte da burguesia. Ou seja, a evolução do capitalismo não se desenvolveu em prol de uma consolidação da democracia, enquanto exercício de direito popular. Aqui, de maneira similar ao ocorrido nos países de transição prussiana, a objetivação do capitalismo ocorreu de maneira gradual, onde o país desvencilhou-se aos poucos e sem grandes revoluções, de uma economia agrário-exportadora para os novos métodos de produção imputados pelo capitalismo.
            No entanto, embora similares os modelos de transição para o capitalismo, realizados no Brasil e verificados anteriormente na Alemanha e na Itália, Chasin denomina de “via colonial” para referir-se a este processo próprio do Brasil, e também típico de países colonizados. Essa separação entre o modelo prussiano e o ocorrido no Brasil, é realizada pelo filósofo em vista das particularidades do nosso processo de colonização, que embora parecidas com os da via prussiana, assumiram contornos próprios.
            O Brasil, como se sabe, foi uma colônia de exploração de Portugal, servindo aos interesses de acúmulo de riquezas da coroa portuguesa. Com isso, a colônia ficava restrita às negociações diretamente com Portugal, sendo impedida de consolidar um mercado externo e interno para as suas produções, em vista das determinações do Pacto Colonial. No entanto, com a abertura dos portos por Portugal, o que mais tarde resultaria na independência do Brasil, o país, embora livre, continuou subordinado às leis de mercado, uma vez que não havendo comércio interno no Brasil colônia e com a ausência de Portugal enquanto intermediária das exportações brasileiras, o país deslocou sua dependência para a Inglaterra, principal consumidora dos produtos brasileiros:

Porém, com a independência, se o país, de um lado eliminava os laços que o ligavam à dependência colonial, por outro, consolidava uma relação de subordinação econômica ao centro privilegiado do regime capitalista, naquele momento à Inglaterra. Isto porque, dada a ausência de um mercado interno considerável e de uma economia produtora manufatureira, o Brasil tornava-se refém da mesma lógica exportadora de artigos primários que presidia o período colonial.[3]

           
Assim, podemos afirmar que embora o Brasil tenha se tornado livre e deixado de lado sua condição de colônia de Portugal, ao mesmo tempo tornou-se presa do comércio com a Inglaterra, desprovido de autonomia econômica. Ou seja, embora livre, o Brasil não se desvinculou de seu histórico de dependência.
Desta maneira, dando um salto histórico e chegando aos anos trinta, vemos o país ainda refém de uma economia agro-exportadora de café, mantendo-se atrelado à dependência do mercado internacional. Assim, podemos afirmar que a burguesia brasileira não demonstrou nenhum indício de força suficiente, neste período, para romper com a dependência advinda desde o Brasil colônia, a ponto de propor, como no modelo clássico, a revolução burguesa. Por outro lado, também não seguiu estritamente ao modelo prussiano, pois não foi capaz de “realizar nem as tarefas econômicas, nem as tarefas políticas próprias de sua classe”. (CHASIN).
Por estes motivos, o processo de objetivação do capitalismo é dado por Chasin como um terceiro modelo, a via colonial. Quando o filósofo afirma que no Brasil as agitações foram sempre superficiais e sem apoio popular, ele determina uma característica própria dos países colonizados e que, por este motivo, ingressaram no sistema capitalista de maneira hiper-tardia, e ainda dependente da relação com o capital externo.
Assim, com base nas reflexões sobre o apanhado histórico realizado por Chasin, podemos afirmar que nunca houve autonomia na objetivação do capitalismo no Brasil, tornando-nos retardatários e donos de uma herança que aponta para a falta de caráter popular e democrático da evolução do capitalismo no Brasil, onde mantém-se a hierarquia entre nobreza e povo, com uma burguesia covarde frente aos desafios da revolução e submissa aos interesses do capital.

3. EDUCAÇÃO E CAPITALISMO NO BRASIL

            A partir do panorama histórico proposto por Chasin, é possível constatarmos três premissas das quais não podemos nos desatrelar: a subserviência do Brasil ao mercado estrangeiro; a ausência de autonomia com relação à produção de nosso capital; a total exclusão da população no processo revolucionário do país. Tendo em vista tais constatações, partiremos agora para a análise deste quadro político-social no que se refere à educação no país.
            Desde sua colonização, o Brasil tem sido refém dos interesses de terceiros. De acordo com a leitura de Chasin, podemos compreender que a autonomia que tornaria possível a emancipação capitalista do país, não foi possível devido à ausência de participação popular nos processos econômicos e a conseqüente objetivação do capitalismo a partir de tais premissas.  Desta maneira, deveremos refletir sobre a formação político-social dos cidadãos brasileiros e sobre os reflexos de tal formação no contexto educacional. Não havendo cidadãos conscientes e participativos, é possível termos alunos exigentes com a qualidade de sua formação?  Haverá espaço para o pensamento filosófico dentro de tal contexto? É o que nos proporemos, agora, a refletir.

3.1. Discussões presentes na política educacional atual
            Dado o atrelamento indissociável entre capitalismo e homem moderno, não é possível que imaginemos hoje o sucesso de um indivíduo que não advenha do seu trabalho, ou seja, de sua contribuição para a manutenção do sistema econômico vigente. Assim, a educação é um dos fatores mais importantes para esta cultura moderna que prevê, a partir da especialização intelectual, que o homem seja capaz de conquistar sua autonomia e de tornar-se, assim, mão de obra qualificada.
            No entanto, o desenvolvimento capitalista brasileiro, por ter se constituído de maneira dependente e hiper-tardia, não alavancou as mesmas oportunidades a todos os cidadãos, situação que se reflete diretamente na educação no país. Desta maneira, a educação se apresenta, muitas vezes, como um beco sem saída: uma minoria tem acesso à educação de qualidade no Brasil; não tendo acesso à educação de qualidade, a maioria dispõe de uma fatia menor no bolo capitalista de produção e consumo; produzindo de maneira mais barata e consumindo menos, a maioria dos indivíduos tem cada vez menos acesso ao conhecimento especializado, e assim sucessivamente, em uma roda econômica que insiste em girar contra o trabalhador. Nas palavras de Gentili:

O indivíduo é um consumidor de conhecimentos que o habilitam a uma competição produtiva e eficiente no mercado de trabalho.  A possibilidade de obter uma inserção efetiva no mercado depende da capacidade do indivíduo em ‘consumir’ aqueles conhecimentos que lhe garantam essa inserção. [4]


            Com isso, podemos afirmar que a educação no Brasil hoje se configura como uma moeda de troca para a inserção social do indivíduo. E o capitalismo promove justamente essa concepção, de que por meio da educação o indivíduo seja capaz de galgar seu status social, promovendo uma melhora em sua qualidade de vida.
            Mas não podendo o Estado assumir a responsabilidade pela educação de qualidade à população renegada historicamente, privatiza tais ações, deixando nas mãos de empresas parte significativa da oferta de educação no país. De acordo com o educador Minto:

Na educação superior, operacionaliza-se um duplo movimento que, de um lado, reduz a educação a um mero serviço, sem qualidade, para o “consumo” das massas, e que explica a expansão indiscriminada  do setor  de ensino privado;  e, de  outro, que significa a manutenção de um ensino de relativa qualidade na rede pública, tido como de “excelência”,  mas  devidamente  contingenciado  e  incapaz  de  suprir  a  demanda histórica  –  amplamente  insatisfeita  – por  ensino  superior  no  Brasil.  A  ideologia  da empregabilidade estimula a  procura  pelo  ensino privado, sobretudo  entre as  camadas mais pobres da classe trabalhadora. Isto ocorre porque essa escolarização, rápida e de acesso fácil, é vista como uma forma de ascender socialmente, como uma solução para muitas dificuldades. [5]

            Constatamos, portanto, que atualmente as políticas educacionais estejam voltadas, em grande parte, para a formação de mão de obra qualificada, e não de cidadãos formados de maneira completa, aptos a pensarem criticamente sobre suas relações humanas e o seu estar no mundo. A educação brasileira não é humana, mas técnica. E isso se deve, tal como na objetivação do capitalismo, à gênese da cultura educacional no país.
            É fácil observarmos a implementação de diversas políticas educacionais que versam sobre a igualdade de direitos para que todos os cidadãos tenham acesso à educação básica. Esse movimento vem ocorrendo desde a migração da população das áreas rurais para os grandes centros urbanos, sobretudo a partir da década de trinta. Assim, a educação foi se configurando, desde a sua gênese, como uma maneira de garantir qualificação profissional a estes novos habitantes dos grandes centros urbanos, no raciocínio de que cidadãos capazes de trabalhar, produzir e consumir produtos e serviços, seriam cidadãos capazes de sustentar as engrenagens capitalistas. De acordo com Giamogeschi:

Desse modo, o capitalismo industrial promoveu um novo curso na educação brasileira. Se antes, durante o sistema oligárquico, as necessidades de instrução e uma organização educacional não se faziam necessárias pela população, diante das condições e exigências do trabalho, nem pelos centralizadores do poder, ficou evidente que, com o capitalismo industrial e a nova realidade proveniente deste, a instrução tornou-se principal meio de ascensão social e colocação no mercado de trabalho, especialmente com o crescimento do setor terciário. [6]

            No entanto, da mesma maneira como ocorreu com o processo de industrialização e objetivação do capitalismo no Brasil, a educação, ainda que técnica e para a formação de mão de obra, foi incipiente e desigual, desde sua instauração, no país. Embora dentro do processo histórico, os níveis de analfabetismo tenham caído significativamente desde a década de setenta, bem como seja visível o aumento do número de crianças na escola pública e de base, a educação ainda não foi democratizada no Brasil, sendo certo que o ensino continua a formar analfabetos funcionais e a priorizar o ingresso de alunos com maiores condições financeiras ao ensino superior. Tais discrepâncias, de acordo com Romanelli, mantém o conflito de classes e a desigualdade social no país:

(...) teve de oscilar, a contar de 1930, entre os interesses das camadas populares por mais educação, e educação que assegurasse status, e os interesses das classes dominantes, que procuravam conter, de várias formas possíveis, as pressões dessas camadas. Reside aí a razão pela qual o ensino se expandiu, apesar de tudo, mas expandiu-se de forma insuficiente e distorcida. [7]
           
Essa luta de classes travada em ambiente escolar pode ainda ser observada nos dias de hoje, através dos métodos de ingresso às universidades públicas no país. Vestibulares cada vez mais exigentes, selecionam apenas aqueles alunos que tiveram maiores oportunidades de estudo desde a tenra infância. Ainda que políticas assistencialistas tenham garantido, de maneira precária e através de cotas, o ingresso de alunos com condições financeiras menos favoráveis ao Ensino Superior, podemos entender tais políticas apenas como remendos à falta de democracia no ensino, que não precisaria dispor de tais cotas, se a educação básica fosse disponível igualmente a todos os alunos, independentemente de sua condição financeira.
         Por esta razão, podemos afirmar que, mediante a leitura da educação e da objetivação do capitalismo no Brasil, a educação também foi instituída como uma maneira de atender a demanda do mercado e não na oferta de educação de qualidade indivíduos.
O ingresso hiper-tardio do Brasil aos processos de transição ao capitalismo, tornaram o país refém de acordos entre os interesses da burguesia e da nobreza, o que hoje, embora em uma República democrática, continua a exercer seus reflexos também na educação. O ensino, tal qual os métodos de produção e consumo, continuam refém do interesse de mercado, onde os cursos são voltados, desde o ciclo básico, para a formação de mão de obra capaz de sustentar as engrenagens capitalistas. Tal qual no processo de transição de capitalismo via colonial, o povo também não tem acesso à revolução educacional, mesmo porque, em grande parte, esse povo não é orientado para tanto. Mantém-se o círculo vicioso aqui já citado, onde o indivíduo estuda menos e por isso se mantém como mão de obra barata, o que o faz consumir menos e ter cada vez menos participação na fatia do bolo capitalista.
Ainda na linha de pensamento de José Chasin, o povo continua excluído de qualquer possibilidade de revolução, se entendermos que a revolução exige uma compreensão conceitual sobre sua própria identidade social, o que não acontece dentro das escolas brasileiras.

3.2. As propostas de ensino da Filosofia
            Diante da constatação de um sistema de ensino que permanece desigual e que é voltado à formação técnica e não completa dos alunos, é importante pensarmos o papel da Filosofia neste cenário e sua inclusão como disciplina obrigatória no Ensino Médio.
            De acordo com as Leis de Diretrizes e Bases (LDB) promulgadas em 1996, o ensino de Filosofia e Sociologia voltaram à grade curricular da escola pública brasileira. Esta iniciativa atendeu às expectativas de movimentos sociais que exigiam a volta dessas disciplinas humanas, em prol de uma formação mais crítica do cidadão brasileiro.
            Da mesma maneira, os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio dispõem atualmente de orientações para que o enfoque pedagógico seja na construção de um indivíduo pronto para as pluralidades do mundo contemporâneo e que saiba articular  os diversos saberes que, juntos, possibilitem o alcance das demandas modernas de trabalho e sociedade.
            Podemos considerar que tanto a LDB quando os PCNs dialoguem com a tarefa que é peculiar à Filosofia: a reflexão sobre os conceitos da educação e sua aplicação para a construção de uma sociedade mais crítica e menos embasada apenas em seu viés funcional. Assim, a Filosofia pode operar na contextualização das disciplinas na realidade do aluno, tornando-se importante ferramenta para a reestruturação dos modelos pedagógicos formulados nas recentes políticas educacionais, bem como na absorção de tais quebras de paradigmas por parte dos alunos.
            No entanto, o alcance da proposta do ensino de Filosofia fica restrito às teorias educacionais, não se efetivando na realidade das escolas brasileiras. Assim, a Filosofia permanece encarcerada ao ensino de sua História, que embora seja de significante importância para o processo de ensino de aprendizagem da disciplina, não  é suficiente para o agir filosófico, muito mais importante do que a simples “decoreba” exigida dos alunos do Ensino Médio.
            De acordo com os PCNs, é esperado do ensino de Filosofia:

A aprendizagem nesta área deve desenvolver competências e habilidades para que o aluno entenda a sociedade em que vive como uma construção humana, que se reconstrói constantemente ao longo de gerações, num processo contínuo e dotado de historicidade; para que compreenda o espaço ocupado pelo homem, enquanto espaço construído e consumido; para que compreenda os processos de sociabilidade humana em âmbito coletivo, definindo espaços públicos e refletindo-se no âmbito da constituição das individualidades; para que construa a si próprio como um agente social que intervém na sociedade; para que avalie o sentido dos processos sociais que orientam o constante fluxo social, bem como o sentido de sua intervenção nesse processo; para que avalie o impacto das tecnologias no desenvolvimento e na estruturação das sociedades; e para que se aproprie das tecnologias produzidas ou utilizadas pelos conhecimentos da área. [8]

Assim, espera-se que a Filosofia aja como uma disciplina capaz de desenvolver as habilidades necessárias para que o indivíduo conviva em sociedade, tornando-se um agente ativo na compreensão do papel do homem diante da realidade que o cerca. Contudo, tais conceitos ficam restritos ao campo conceitual, não sendo aplicados no dia a dia, em razão do modelo estrutural da própria educação no país.
Culturalmente ainda estamos presos à mentalidade de educação para o trabalho, onde o diálogo, ou nos termos do renomado Edgar Morin, a “religação dos saberes”, não consegue ser efetivada pela separação que ainda hoje é exercida dentro da educação. O aluno, dentro da sala de aula, continua adquirindo os saberes de maneira desarticulada, sem uma conexão conceitual entre as disciplinas que permita com que o aluno enxergue o todo, ao invés das partes como ocorre hoje em dia. A educação, no Brasil, segue ao modelo de linha de produção da indústria: forma especialistas fechados dentro de suas disciplinas, incapazes de dialogar com outros pontos de vista e de formarem um conceito amplo sobre as questões que cercam a humanidade.
Esta deficiência acontece em razão do modelo que vem sendo aplicado desde a gênese da educação no país: fragmentos de especialidades destinadas à manutenção da dicotomia entre mão de obra (massa de trabalhadores) e especialistas (os burgueses da era moderna). Assim, o ensino da Filosofia se propõe a alterar esses paradigmas, mas fica restrito ao discurso legal, não tendo a mudança cultural exigida para sua efetiva implementação enquanto conectora de saberes e promotora de uma realidade mais crítica e menos utilitarista.

4. CONCLUSÃO – EDUCAÇÃO NA VIA COLONIAL
Amparados pelo discurso de José Chasin, que conceituou a objetivação do capitalismo no país pela via colonial, refletimos aqui sobre a educação brasileira em vista do tardio ingresso do país ao sistema capitalista, do seu histórico de dependência estrangeira e da ausência de participação popular nas revoluções sociais.
Essa gênese do capitalismo brasileiro pode ser facilmente identificada na concepção vigente sobre a educação, ainda que haja leis que tentem alterar o atual paradigma utilitarista da educação. Hoje e sempre, a educação no Brasil foi estabelecida para atender aos interesses do capitalismo.
Na época da economia agrário-exportadora, a educação era privilégio da elite, onde não havia a preocupação com a massa de trabalhadores, em grande parte situada fora dos grandes centros urbanos. Com o início da industrialização no país e a migração desses trabalhadores rurais para as cidades, a educação voltou-se para a formação de mão de obra que estivesse apta a operar dentro do novo modelo capitalista. Ou seja, a educação continuou a ser alicerçada como modo de alavancar o acúmulo de riquezas para a elite, uma vez trabalhadores sem os conhecimentos necessários à manutenção dos novos meios de produção, não era interessantes ao sistema econômico que começava a se delinear.
Da década de trinta até o início dos anos sessenta, ano da primeira Lei de Diretrizes e Bases, todas as tentativas de reformas educacionais mantiveram a predominância da elite sobre o povo, onde as ações restringiram-se ao populismo e aos interesses em instruir, ao menos minimamente, o novo operário brasileiro. A partir da pressão popular e de parte dos intelectuais brasileiros, a LDB/61 se caracterizou como um sutil avanço aos desejos de democratização do ensino, embora ainda conservassem em grande parte os interesses da elite em suas disposições, uma vez que tratava, em larga escala, do ensino profissionalizante.
O mesmo caráter de utilização da educação como ferramenta aos interesses capitalistas, pode ser constatado na LDB/71 e na LDB/96, uma vez que ambas trazem em seu escopo as indicações para que a educação promova o ingresso dos alunos ao mercado de trabalho, fim principal do capitalismo. Com relação à LDB/96:

Art. 1º - A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social; Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. [9]

Assim, constata-se que na mesma medida em que a população foi excluída de quaisquer participações na transição para o capitalismo, ela continua excluída das políticas educacionais, que continua prevendo, ainda que camuflada nos códigos de lei, o ensino técnico e restrito aos indivíduos com menos condições financeiras.
A escola, desta maneira, continua prevendo a formação de mão de obra, mantendo a tradição do atrelamento, indissociável, entre a educação e os interesses do capital. Mesmo na época atual, onde diversas políticas de ensino foram implementadas com o objetivo superficial de garantir educação para todos, ainda assim, a educação não conquistou sua emancipação diante do poder econômico.
Mesmo quando se refere ao ensino de Filosofia, os objetivos educacionais são sempre os relacionados à formação de um cidadão apto a interagir num mundo de constantes transformações e de cada vez mais exigentes expectativas, ou seja, aptos a operarem as regras do capital. Quando se espera que a educação, e mais especificamente a Filosofia, seja a promotora de um exercício de cidadania, esse exercício ainda é pressuposto pela lei do capital, onde o conceito de cidadão permanece atrelado à subserviência do indivíduo perante o Estado, lição aprendida historicamente ao observarmos a mesma subserviência do Estado em relação ao capital estrangeiro.
Assim, sob o prisma do capitalismo pela via colonial e sua analogia ao processo de educação do país, temos que concordar com Chasin quando, de maneira enfática, afirma que o modo retardatário como o país se colocou na cadeia capitalista gerou “mazelas e limites de toda ordem”. Limites e mazelas que vemos serem mantidos, incentivados e revigorados pela educação, que nos mantém reféns e dependentes do capital, afastando-nos das revoluções democrático-sociais que não aprendemos serem possíveis e de nossa competência, na escola.

5. BIBLIOGRAFIA


BORGES, Fábio Garcia; REZENDE, Claudinei Cássio de. O Arquétipo do Etapismo e a Revolução Brasileira. Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/aurora_dossie_04.pdf

BRASIL, MEC: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Disponível em: WWW.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf

BRASIL, MEC: Leis de Diretrizes e Bases DE 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf

CHASIN, José. Brasil: da via colonial à mundialização. Disponível em: http://www.verinotio.org/Sociedade/brasil.pdf

COTRIM, Ivan. Imperialismo e Via Colonial X Teoria da Dependência. Disponível em: http://www.apropucsp.org.br/revista/r20_r09.htm

COUTINHO, Carlos Nelson. A Democracia Como Valor Universal. Disponível em: http://www.danielherz.com.br/system/files/acervo/ADELMO/Artigos/A%2BDemocracia%2Bcomo%2BValor%2BUniversal.pdf

FREDERICO, Celso. A Recepção de Lukács no Brasil. Disponível em: http://www.herramienta.com.ar/teoria-critica-y-marxismo-occidental/recepcao-de-lukacs-no-brasil

GIAMOGESCHI, Carina Lopes. O Capitalismo e a Expansão do Ensino no Brasil. Disponível em:http://www.unifia.edu.br/projetorevista/edicoesanteriores/agosto09/artigos/educacao/capitalismo.pdf

HAMZE, Amélia. Educação e Capitalismo: E A Fala Continua. Disponível em: http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/educacao-capitalismo-fala-continua.htm

MACENO, Talvanes Eugênio. Considerações sobre as (Im)possibilidades e Limites da  Universalização da Educação Escolar no Brasil: O Imperativo do Processo Genético da Formação Social Brasileira. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/talvanes.pdf

MARTINELI, Telma Adriana Pacifico. Implicações do Neoliberalismo e da Teoria do Capital Humano na Política Educacional Brasileira: A Década de 1990 em Questão. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3602_2108.pdf

MINTO, Lalo Watanabe. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf

SOARES, Rosemary Dore. O Pensamento Pedagógico de Gramsci e as Tendências Interpretativas no Brasil. Disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv311.htm



[1]CHASIN apud MACENO. Considerações sobre as (Im)possibilidades e Limites da  Universalização da Educação Escolar no Brasil: O Imperativo do Processo Genético da Formação Social Brasileira. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/talvanes.pdf 
[2]CHASIN, José. Brasil: da via colonial à mundialização. Disponível em: http://www.verinotio.org/Sociedade/brasil.pdf 
[3]MACENO, Talvanes Eugênio. Considerações sobre as (Im)possibilidades e Limites da  Universalização da Educação Escolar no Brasil: O Imperativo do Processo Genético da Formação Social Brasileira. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/talvanes.pdf

[4] GENTILI apud MINTO. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[5] MINTO, Lalo Watanabe. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[6]GIAMOGESCHI, Carina Lopes. O Capitalismo e a Expansão do Ensino no Brasil. Disponível em:http://www.unifia.edu.br/projetorevista/edicoesanteriores/agosto09/artigos/educacao/capitalismo.pdf 
[7] ROMANELLI apud GIAMOGESCHI. Capitalismo e Educação no Brasil: Análise Histórica do Processo de Reforma do Estado e do Ensino Superior. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/lalowatanabeminto.pdf
[8] BRASIL, MEC: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Disponível em: WWW.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf

[9]BRASIL, MEC: Leis de Diretrizes e Bases DE 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf

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