quinta-feira, 26 de abril de 2012

Fórum I de Ética II: THOMAS HOBBES X JOHN LOCKE

ESTADO DE NATUREZA

O conceito de estado de natureza diz respeito às condições e características pré-sociais dos indivíduos, quando ainda isolados e apartados da idéia de sociedade civil. A partir de uma necessidade de auto-preservação e em razão da legitimação de um poder absoluto sobre a própria liberdade, os indivíduos aceitam e passam a formar um corpo político representado pela figura de um soberano. No entanto, os pensadores empiristas Thomas Hobbes e John Locke conceberam o conceito de estado de natureza de maneiras muito diferentes, inclusive com visões quase antagônicas sobre os motivos que levariam os homens a abrirem mão de sua liberdade para tornarem-se, de maneira consensual, um Estado Civil. 

THOMAS HOBBES

Para Hobbes, o estado de natureza é sinônimo de estado de guerra, do homem contra o homem e do mais forte dominando o mais fraco, num ambiente sem quaisquer garantias da manutenção do poder, que não as alcançadas por intermédio da força. Sobre o estado de natureza de Hobbes, diz a professora Marilena Chauí:"A concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou "o homem lobo do homem". Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar." (CHAUÍ, 2000, Pág. 220).

Assim, entende-se o estado de natureza em Hobbes como uma guerra constante, de regiões em constante conflito, do sobrepujo de um individuo sobre outro. Nessas circunstâncias, o que conta é a lei da selva e o poder da força. 

Para combater o caos, a instabilidade e as ameaças constantes de morte violenta, os homens então decidem transferir a um terceiro, o poder de legislar sobre todos, de exercer sua soberania em nome do bem maior: a estabilização da convivência humana. Os homens abrem mão de sua liberdade em busca do direito à vida, premissa do estado de natureza que não poderia ser mantido com os homens em luta constante entre si. Desta forma, acuados em seu estado de natureza, agrupam-se e elegem o soberano, quando então instauram uma sociedade. Ainda de acordo com Marilena Chauí: 

"A idéia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independente e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por uma ato voluntário, tornar-se sócios ou associados para vantagem recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a idéia de uma coletividade natural ou divina, a sociedade, a de uma coletividade voluntária, histórica e humana." (CHAUÍ, 2000, Pág. 221).

Com isso, podemos afirmar que a concepção de estado de natureza de Hobbes entende o homem como essencialmente egoísta. Sob este prisma, o homem ainda não conhece leis e segue somente o impulso de suas paixões. Assim, um homem é inimigo de outro homem, tendendo a guerrearem uns contra todos. De acordo com o pensador, os homens elegem um soberano para evitarem a barbárie e o caos, pois sendo maus por natureza, fariam de tudo para conseguirem seus intentos, podendo agir com violência e ameaçando, inclusive, a propriedade e a liberdade alheia. Para Hobbes, portanto, é deste cenário que surge a sociedade civil: a dominação de um sobre muitos, em detrimento da luta constante pelo domínio individual de um sobre o outro. 

JOHN LOCKE

Já para Locke e seu conceito de tabula rasa, o homem não nasce com característica nenhuma, sem nenhuma idéia nata, e vai aprendendo a relacionar-se com o outro e com o ambiente a partir da experiência. Para este pensador, a natureza humana é pacífica e os homens quando em estado de natureza, exercem sua liberdade de maneira comunitária, em harmonia e com igualdade. Assim, a regulamentação da convivência seria estabelecida por preceitos naturais do próprio estado de natureza, ajambrando de maneira autônoma a estabilidade das interações.

Para Locke, o uso da razão e da liberdade tornava os homens senhores de si mesmos e proprietários de bens materiais, conquistados e mantidos através do trabalho, de forma que a propriedade precederia a sociedade, tendo seu direito assegurado já pelo estado de natureza - com o direito de um sendo limitado pela liberdade do outro. No entanto, o trabalho que permite aos homens o direito à propriedade, também é a força motriz da desigualdade, uma vez que o acúmulo de riquezas não se daria de maneira homogênea, causando uma distribuição desigual de oportunidades e a disputa entre os homens. 

Se cada homem é senhor de si próprio e dono de sua liberdade, automaticamente ele se torna uma ameaça a outro homem também senhor de si próprio, de sua liberdade e propriedade adquirida. É deste impasse que, para Locke, surge a necessidade de um contrato social, a maneira encontrada para controlar o direito de propriedade de cada indivíduo, tornando o Estado a figura responsável por manter a paz coletiva e a propriedade privada de cada um.

No entanto, sobre o surgimento do Estado Civil, diz Locke: 

"O indivíduo exposto ao poder arbitrário de um único homem que tem cem mil sob suas ordens encontra-se em uma situação muito pior que aquele que exposto ao poder arbitrário de cem mil homens isolados: ninguém pode garantir que a vontade daquele que detém tal comando é melhor que aquela de outros homens, embora sua força seja cem mil vezes mais forte". (LOCKE, 1994, apud PAVÃO, 1999, p. 71).

Portanto, esta representação do desejo de proteção dos homens na figura do Estado Civil torna-se um contrato coletivo e consensual, de maneira que cada indivíduo é também responsável pelas decisões tomadas em seu nome pelo Estado. Porém, se cabe ao Estado a manutenção do direito de propriedade, o mesmo não pode, sob qualquer hipótese, violar o direito de propriedade dos indivíduos, o que terminaria por gerar um estado de guerra e a dissolução do Estado civil, cabendo aos homens, enquanto responsáveis pela figura que os representam, unir-se e lutar contra a tirania, contra a interferência do Estado na propriedade privada.

CONCLUSÃO: HOBBES E LOCKE (SINFONIA E DISSONÂNCIA)

Ambos os pensadores partem da mesma premissa para o surgimento do Estado Civil: a necessidade de proteção dos indivíduos da comunidade, através da organização política e consensual, atribuída na figura de um soberano. No entanto, para Hobbes o estado de natureza é o de guerra, sendo os homens naturalmente inimigos e competidores uns em relação aos outros, ao passo que para Locke o estado de natureza é o de liberdade, sendo que os homens não agem de forma violenta de acordo com sua natureza, mas sim, fazendo uso do atributo de sua liberdade individual:

"Por isso, HOBBES concebe o cidadão, no estado civil, como despido de qualquer dos direitos naturais que tinha antes, visto que a eles renunciou a fim de ter segurança. Tem ainda direitos, mas apenas o civis, que estão à disposição do soberano para a melhor manutenção da paz. Para LOCKE, os direitos naturais seguem existindo, representando seu conteúdo um limite natural para a soberania e sua efetivação o fim último do governo. Primeiro corolário: HOBBES concebe o estado como sendo unitário e absoluto, sem quaisquer limitações. Chama-o de Leviatã, porque, embora criação dos homens, torna-se mais poderoso que eles e foge ao seu controle. LOCKE, ao contrário, concebe o estado como limitado pelos direitos naturais: para preservá-los, o poder é dividido em legislativo e executivo." (COELHO, 2005).

Por isso, se para Hobbes o Estado Civil é uma garantia de segurança da vida, para Locke é a garantia do direito à propriedade intelectual e material e uma maneira de evitar os excessos advindos da liberdade individual de cada homem.


Natachy Petrini

Fontes de Pesquisa:

CHAUÍ, Marilena. Do livro: Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, ano 2000, pág. 220-223, disponível em: < http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/contratualistaschaui.html >

PAVÃO, Aguinaldo. Apontamentos sobre o estado de natureza em Hobbes e Locke. Revista Dissertatio, UFPel (9), pp. 71-80, Inverno de 1999. Disponível em: < http://www.ufpel.edu.br/ich/depfil/filesdis/dissertatio9.pdf#page=73 >

COELHO, André. Hobbe X Locke. Disponível em: < http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2005/09/hobbes-x-locke.html >

ROGRIGUES, Camila. Estado de Natureza - Do conceito de Hobbes ao de Locke: um debate de idéias. Disponível em: < http://www.klepsidra.net/klepsidra27/natureza.htm >

John Locke: Principais conceitos: http://www.youtube.com/watch?v=T3UVGyCcRxwLeviatã: http://www.youtube.com/watch?v=B9Wawc1gNlI&feature=related

FERREIRA, Alexandre de Oliveira. Liberdade e Filosofia: da antiguidade a Kant. Curitiba: IBPEX, 2011. Disponível na SAV.

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