quarta-feira, 18 de maio de 2011

Rogério: como nos tornamos o que somos?

1º Como aceitar o teu pedido de não mudarmos nossa natureza, se acreditamos que não temos uma natureza essencial a ser protegida da mudança? O que define a natureza e que faz com que haja similaridade nos comportamentos e padrões das mulheres, não é outra coisa senão a cultura. A feminilidade e a delicadeza são duas características imputadas à mulher pela sociedade, não são características que nascem com o bebê de sexo feminino.

2º Os homens não optam entre a paternidade e a profissão porque suas mulheres estão em casa executando o seu serviço. Os homens escolhem com mais facilidade, pois sabem que dentro da sociedade, sob uma perspectiva cultural, é a convenção estabelecida. Não é da natureza dos homens, de sua essência. Tampouco a essência das mulheres é criar seus filhos. Quer dizer, até é, mas ela não é definitiva, é adaptável. A noção que temos dos nossos papéis enquanto pais e enquanto mães é que determina os modos como cada um deve agir. Não há melhores e nem piores, há diferentes - diferenças físicas, mas, sobretudo, diferenças de interpretação cultural. Se julgamos as mulheres que não sentem angústia é porque pré-determinamos (eu, você, a sociedade) que a angústia é um sentimento exigido, intrínseco e inalienável da mulher. Mas não é. Ou: não entendo que seja. Fomos criados assim.

3º Perfeito. Lidamos melhor com as diferenças, com o que torna a relação entre os indivíduos interessante: a diferença. Exaltemos, confraternizemos a diferença, pois ela é a única que pode nos salvar da loucura social. Precisamos e gostamos de ser diferentes. No entanto, diferente não implica ser estável, estático. Não significa seguir parâmetros ou legados definitivos, que não possam ser subvertidos pela mudança social. E se aceitamos isso - uma essência flutuante - damos importância para a existência. Existirmos enquanto humanos nos permite essa discussão. Se a discussão restringe-se a um homem e a uma mulher, é mero detalhe. Nada nos impede de sermos outros, chamados de outros nomes e de invertermos as sentenças: sou homem e você mulher. Podemos nos transformar se quisermos, e com isso, alterar toda a percepção coletiva da realidade que se configura enquanto idéia de gênero - homem e mulher. Não tenho um gênero, tenho muitos.

4º Somos mulheres porque somos humanas, porque somos gente, gente viva. Mas não somos nobres, tampouco devemos ser fiéis à nossa natureza. Não há essa natureza que seja comum a todas as mulheres ou uma essência que seja comum apenas aos homens. Nossas diferenças não repousam em características definitivas de nossa constituição física, biológica ou espiritual, mas sobretudo na interpretação social que damos a esse teatro milenar de viver. Somos o produto da sociedade, em que indivíduos interpretam os seus papéis enquanto personagens, sob rótulos que nós mesmos criamos - homem, mulher, bicho.

Temo uma associação ao movimento feminista, do qual não carrego bandeira, mas quero citar Simone de Beauvoir: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher".

Como nos tornamos o que somos, amigo Rogério?

Abraços,

Natachy

Nenhum comentário:

Postar um comentário