quarta-feira, 20 de abril de 2011

Comparações entre Grécia e sociedade atual - Nossa nova Areté - Natachy Petrini

Antes de nos atentarmos às questões propostas sobre a comparação entre a sociedade grega e a atual, bem como o desenvolvimento da educação e do ideal de homem, é necessário que analisemos alguns dos termos que são parte fundamental para a compreensão a que nos dispomos: Paidéia e Areté.

Paidéia é um termo grego que passou a ser utilizado por volta do século V a.C e que na época, fazia menção apenas à criação de meninos e ao período em que eram educados no seio familiar. Hoje, o entendimento que fazemos deste conceito refere-se ao processo educacional ao qual o indivíduo é submetido em busca dos ideais de uma sociedade. Nas palavras da professora Marilena Chauí, em A História da Filosofia:

"A Paidéia era a educação como formação cultural completa e sua finalidade era a realização, em cada um, da Arete, a excelência das qualidades físicas e psíquicas para o perfeito cumprimento dos valores da sociedade".
(Chauí, 1994, p. 156)

Já Areté é um termo que designa o ideal, a excelência, a virtude e faz referência ao mérito, ao valor a que o indivíduo deve atingir na sociedade. Nas palavras de Werner Jaeger, em Paidéia - A Formação do Homem Grego:

"O tema essencial da história da formação grega é antes o conceito de areté, que remonta aos tempos mais antigos. Não temos na língua portuguesa um equivalente exato para este termo; mas a palavra "virtude", na sua acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra grega".
(Jaeger, 2010, p. 25)

A partir da breve análise dos termos, poderemos confrontar os questionamentos básicos sobre o desenvolvimento da educação, o conceito grego de Areté e o ideal de homem da sociedade atual:

A transformação dos valores sociais e o acompanhamento da Paidéia para a construção da Areté.

Como acontece em todas as civilizações, a educação era utilizada na Grécia como ferramenta para conservação da estrutura social. Os costumes, as práticas e os valores gregos eram repassados às crianças para que estas cumprissem os papéis que lhe caberiam na vida adulta em sociedade. Assim, a educação era voltada à formação de homens que pudessem defender os interesses de seus grupos, que mudavam conforme a evolução da sociedade.

Areté Aristocrática

Na Grécia aristocrática, a educação visava à construção da Areté de bravos guerreiros, valentes defensores dos valores impostos pela nobreza e fisicamente preparados para um iminente combate. A coragem era questão de honra, era ser bom. A educação nessa época não tinha a proposta de formar indivíduos conscientes e sim normatizar o padrão do ideal de homem, da areté aristocrática, com todas as exigências impostas para a formação de um belo e bravo combatente. Além de ter que ser honrado, belo, bom, bravo e heróico, o guerreiro tinha a responsabilidade de defender a nobreza, participando do restrito círculo aristocrata, onde senhores de escravos unidos por laços de sangue se impunham, alcançando sua areté ao alegarem serem protegidos pelos deuses.

Areté Democrática

A partir das contribuições dos reformadores Sólon em 594 a.C e Clístenes em 510 a.C, a sociedade grega foi se adaptando a um novo espaço político: a pólis. Com o advento da democracia, a soberania dos nobres dá lugar à soberania das leis, submetendo a elas todos os cidadãos, independentemente de sua linhagem ou formação (lembrando que nesta época, não eram considerados cidadãos as mulheres, os escravos, as crianças e os estrangeiros).
Neste novo cenário, a antiga areté aristocrática não atendia mais aos interesses da pólis, onde através da educação, deu-se início a um novo processo para formação de bons cidadãos, visando a areté política. Deste modo, o novo ideal de homem passou a ser o bom cidadão, onde a Paidéia teve que adaptar-se de forma a buscar a excelência destes cidadãos: tornando-os bons oradores, obedientes às leis da pólis e participantes da vida política.

O desenvolvimento da educação a partir dos interesses sociais - comparação entre Grécia e sociedade atual.

Desta maneira, podemos concluir que a Paidéia, ou seja, os processos educacionais para a formação do homem grego, se adaptava conforme as necessidades sociopolíticas da sociedade, trabalhando pela construção primeiramente de bons guerreiros e posteriormente de bons cidadãos.
Ainda hoje podemos dizer que a educação é formulada com o mesmo objetivo: atender aos interesses do poder. É difícil compararmos a sociedade grega com a atual, haja vista a compreensão de sociedade que temos atualmente: globalizada e em comunicação constante com os valores e ideais de outros povos, por mais diferentes e distantes que sejam uns dos outros.
No entanto, quando nos arriscamos a formular tal comparação, podemos observar mais semelhanças do que dissonâncias na forma de educação grega e a tradição atual. Para refletirmos de maneira mais concisa e com certa intimidade de conceitos, vamos nos ater à comparação com o Brasil.
Podemos observar a alguns anos no país, o esforço das autoridades para que a educação se torne mais acessível a um maior número de crianças, criando para tanto, políticas de inclusão assistencialistas. De fato, é cada vez maior o número de crianças matriculadas em escolas, bem como o aumento da quantidade de creches e abrigos para crianças em idade pré-escolar.
No entanto, podemos afirmar que a qualidade das escolas públicas acompanhou o aumento da demanda destas crianças matriculadas? Embora tenhamos mais crianças em contato com a educação, ainda não atingimos o ideal a que teoricamente a educação se propõe: a formação de cidadãos conscientes e com chances iguais de construção de conhecimento e oportunidades. Esta dificuldade em formar muitas crianças e concomitantemente oferecer um ensino de qualidade a todas elas, se dá em razão do ideal do poder brasileiro: a construção de um país mais desenvolvido.
Por esta razão, as crianças recebem um estudo para que desenvolvam sua capacidade profissional, fato que pode ser observado pela quantidade de escolas técnicas públicas onde na maioria das vezes, o estudo é mais qualitativo que o ensino básico regular. Isso já demonstra a preocupação do país em acompanhar os ideais globalizados: formação de mão de obra qualificada. Outro exemplo da preocupação do poder brasileiro em arregimentar mão de obra, são as cotas para negros e alunos de baixa renda em universidades públicas ou os programas de financiamento para as universidades particulares. Pensando na educação como uma das maneiras para formar profissionais que possam trabalhar pelo desenvolvimento do país, o governo se ocupa em reformular a educação pelo topo da pirâmide - o ensino superior. Se houvesse um interesse consciente, sobretudo, na formação de bons cidadãos e com oportunidades iguais de construção intelectual, esta preocupação seria voltada, primeiramente, ao ensino básico - mas não apenas aumentando a quantidade de crianças por sala (utilizando para isso de artifícios como entrega de salários ou alimentos às famílias com crianças em idade escolar), mas principalmente, na oferta de formação de qualidade aos professores, salários condizentes ao desafio que estes enfrentam diariamente em sala de aula e uma estrutura técnica e educacional que realmente proporcionasse aos alunos uma compreensão pessoal e política de qualidade.
Com isso, não queremos afirmar que as políticas inclusivas não tenham beneficiado aos alunos e suas famílias, tampouco questionar o mérito em facilitar o acesso de mais pessoas à universidade. O que questionamos, todavia, é o objetivo a que se propõe o governo com tais medidas e os cidadãos que formaremos neste quadro educacional. Somente quando os governantes mudarem o ideal que fazem do bom cidadão, é que não precisaremos de cotas para negros ou menos abastados nas universidades - pois estes terão oportunidades iguais desde pequenos; somente quando os donatários do poder compreenderem que o país só poderá ser de todos, quando todos possuírem realmente condições similares de moradia, consumo e ensino é que teremos alunos dispostos ao aprendizado, e não receosos de perderem seus salários mensais, que muitas vezes é o único ganho da família - e assim teremos aumentos significativos sociais e econômicos; somente quando o Estado tiver realmente o interesse na construção de uma consciência cidadã e responsável, é que nossos alunos terão condições de analisar criticamente a sociedade, contribuindo com seu esforço - intelectual e físico - para a construção de uma nação de fato soberana. No entanto, para que seja possível esta mudança de diretrizes internas, seria necessário que o ideal de homem fosse revisto pelo país. Somente com um redirecionamento dos esforços e dos interesses dos nobres, dos que ainda se mantém no poder como se estivéssemos na Grécia antiga, é que poderemos ter cidadãos atuantes e responsáveis, atingindo à areté formulada pelos gregos da pólis tanto tempo atrás e que, no entanto, ainda é uma realidade muito distante do Brasil e da maioria dos países atualmente.

A Areté atual - qual o nosso ideal de homem?

Com base nas conclusões que tecemos acima, podemos pensar no ideal de homem da sociedade atual: o trabalhador.
Como já dissemos, a educação sempre foi voltada ao cumprimento dos interesses do poder e se já chegamos ao pressuposto básico de que a sociedade globalizada espera e é educada para a manutenção do sistema político vigente, não podemos definir o ideal de homem de outra maneira, senão como o trabalhador que mantém o capitalismo.
Embora estejamos tantos anos à frente do período que estudamos como referência - a Grécia - podemos notar que ainda precisamos de homens que sustentem os ideais do poder. Não precisamos mais de uma paidéia específica para a formação de guerreiros (embora os exércitos estejam cada vez mais capacitados, em todos os países), tampouco formamos cidadãos capazes de refletirem de forma consciente para a participação da vida em sociedade. O que temos como ideal de homem atual é aquele que participa da vida econômica das cidades, onde o trabalhador troca sua força de trabalho por salário e produtos - da mesma forma como nos tempos imemoriais.
Um cidadão que não trabalhe, deixa de participar do fluxo obrigatório da sociedade atual: trabalho - consumo. Em razão deste ideal, é que os governos oferecem estudo, onde as crianças são ensinadas não a questionarem os métodos políticos vigentes e sim a profissionalizarem-se, onde poderão trabalhar, consumir, oferecer conforto à família e manter o capitalismo.
O homem de valor de nossa sociedade atual é aquele comprometido com seu trabalho, o que busca sempre o aprimoramento de sua especialidade, o que provém a família e consegue comprar produtos e serviços, sem notar, que acaba consumindo mais do que precisa ou gostaria. Mas esta consciência não faz parte dos valores de nosso ideal de homem. Não questionamos criticamente a propaganda de um supermercado que afirma ser ali o lugar de gente feliz. Apenas somos bombardeados pela mídia que vende essa idéia e faz com que sintamos a obrigação de enchermos nossos carrinhos de compras com produtos que nos tornem mais bonitos, mais magros, mais importantes, mais confortáveis, mais felizes. O nosso ideal atual é o consumo e só conseguimos ser bons consumidores quando trabalhamos, cada vez mais, para este objetivo.
Voltando ao Brasil, podemos ver claramente o exercício desta nossa nova areté de diversas maneiras: no discurso de um ex presidente que utiliza a alcunha de "vagabundos" para julgar aos homens e mulheres aposentados; nas políticas assistencialistas do atual governo ao prover famílias carentes com salários mínimos, de forma a inseri-los na roda econômica social; no crescente aumento da educação especializada, formando massas de trabalhadores técnicos e pouco questionadores; a demora para a inclusão do curso de Filosofia no ensino médio, que apesar da conquista, é feito de maneira precária e pouco estimulante na maioria das escolas públicas etc.
Evidentemente que, como dissemos, não é mais possível fazermos uma análise social apenas do Brasil, haja vista a globalização de nossos valores. Tanto a educação como a nossa nova Areté estão arraigados à manutenção do ideal capitalista global, submentendo-nos às tendências de mercado, aos indicadores econômicos, aos ideais dos senhorios capitalistas e ao exercício de uma cidadania consumista e quase nada crítica.

Produzido por Natachy Petrini

Bibliografia consultada:
Paidéia - A Formação do homem grego, de Werner Jaeger.
A História da Filosofia, volume I, de Marilena Chauí.

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