quinta-feira, 21 de abril de 2011

Resposta ao Professor Marcelo

Oi professor Marcelo, obrigada pelos comentários e dúvidas levantadas. Vou tentar desenvolver o debate proposto, contando para tanto, com a sua contribuição. Abraços!

O processo de ruptura do pensamento mítico para o racional foi muito sutil, onde podemos observar que os primeiros filósofos conceituaram logicamente os mitos, como também receberam destes, por conseguinte, as matérias para sua análise filosófica. Assim, o pensamento mítico ficou por muito tempo atrelado à maneira de filosofar, carregando as estruturas míticas para uma explicação racional e material a que se propuseram os filósofos da phýsis.

Ainda hoje é difícil afirmar a separação entre o pensamento racional filosófico e as estruturas míticas que acompanham o homem desde os tempos imemoriais. Na verdade, afirmar essa dissonância nem deveria ser o principal interesse da filosofia, uma vez que, por mais que seja possível uma tentativa de racionalização da fé, a crença nas figuras divinas não pode ser objeto de contestação lógica, pois operam em esferas e por mecanismos diametralmente opostos.

Contudo, nem sempre foi assim. O início da desmitificação do pensamento grego foi permeado pelas mesmas ilusões míticas de outrora. Assim, o início da filosofia não se deu em razão da mudança drástica de conceituação e sim, pelos métodos empregados para o estudo dos mesmos questionamentos.

Com os pré-socráticos, em especial os já citados filósofos Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes, as suposições que antes eram realizadas pela fantasia mítica, passaram a ser racionalizadas através de argumentação lógica, teorizando sobre qual seria a essência primeira e universal para o surgimento de tudo. Com isso, podemos observar, por exemplo, que as raízes míticas continuavam a ter importância no pensamento destes filósofos. Ou seja, da teoria mítica da existência de deuses responsáveis pela criação do mundo, agora os filósofos procuravam na natureza a definição de uma substância observável que atendesse a este propósito. Vemos como a estrutura analítica religiosa ainda pode ser observada nesta procura, onde embora os pensadores buscassem na observação do mundo as respostas que antes apenas imaginavam, o conceito religioso apenas foi transportado para a natureza.

Com isso, os filósofos não deixavam suas crenças religiosas, nem afirmavam que o mundo fosse gerado sem participação divina. O que estes pré-socráticos desenvolveram como mudança e que terminou por alterar significativamente os rumos de toda a filosofia posterior, foi a tríade que até hoje utilizamos como sustentação filosófica: observação, investigação e pensamento. Portanto, por mais que o espírito religioso grego ainda permanecesse como forte influência no pensamento destes filósofos, a forma de teorizar a criação do mundo foi alterada pela observação cotidiana, gerando uma autonomia intelectual que buscava, sobretudo, uma argumentação que pudesse ser coerente e palpável, diante de sua racionalização.

Assim, tão importante quanto o processo de passagem do mito ao logos, foi a mudança intelectual proposta pelos primeiros filósofos, que buscavam pela observação das evidências, a transposição das tradições mitológicas para o entendimento de uma realidade inteligível aos homens. Por isso, acredito que durante parte do processo desmitificador grego, houvesse harmonia entre as esferas mítica e lógica, utilizando para a cosmologia que surgia, as estruturas de questionamento da cosmogonia anterior.

Por fim, penso que a importância desta mudança de visão argumentativa sobre o mito, tenha influência direta tanto na filosofia moderna, quanto na forma de pensarmos a religião atualmente. O que os filósofos atuais e até mesmo grandes pensadores cristãos afirmam, é muito similar à conexão que os primeiros filósofos realizam sobre o tema. Racionalizam o mito de forma a mantê-lo vivo, procurando na natureza, na articulação do pensamento e nos embasamentos metafísicos, hipóteses que expliquem o mundo sem a exclusão da participação divina. Com isso, no período pré-socrático ou nos dias atuais, os homens ainda procuram pelo criador original, pelas substâncias geradoras do universo, pelas partículas físicas e químicas que expliquem o surgimento de tudo. Ora, esta procura, ainda que travestida de novas tecnologias, religiões, filosofia ou preceitos modernos, ainda busca responder, a partir da mesma estrutura elaborativa, as mesmas questões formuladas há tanto tempo.

Sobre a Paidéia, é natural que os mecanismos utilizados para a concepção de si e do mundo, sejam fatores preponderantes na forma de construção do conhecimento e dos ideais esperados dos indivíduos. É sabido que a articulação da educação se reveste de maneira a proporcionar a manutenção do poder e da ordem - fato comum em todos os lugares e em todos os tipos de educação. Por estar intrinsecamente atrelada aos homens, a educação é normatizada conforme os padrões destes indivíduos, que mudam e mudam a educação - na Grécia, por exemplo, vimos como a Arete acompanhou os interesses aristocráticos e em seguida, os democráticos da polis.

Ora, sendo a Paidéia o conjunto de ensinamentos para a busca de excelência do indivíduo, evidentemente que a transição do pensamento mítico para o racional teve influência na forma de ensino. Tanto que depois dos primeiros filósofos, não foi mais possível um retrocesso na forma de produzir filosofia. Ou seja, cada vez mais os filósofos buscavam na natureza observável a explicação substancial e palpável para o surgimento de tudo. Ainda que atrelado ao pensamento mítico, irreversivelmente os homens foram racionalizando suas crenças e ainda que as mantenham ainda hoje, sabem que o fazem amparados por preceitos inexplicáveis, que em nada podem ser atribuídos pela experimentação técnica, científica, objetiva e real.

Com isso, se a observação e investigação pelo pensamento foram se tornando aos poucos a maneira de produzir filosofia e conceituação do mundo, inevitavelmente a Paidéia, em busca da Arete, também tenha tornado-se fonte do exercício desta argumentação racional, contribuindo para a ruptura dogmática e sendo parte decisiva da estrutura filosófica atual.

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